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Notícias

Em livro, as lições globais do cacique do pioneirismo

26/03/2013

Autor: SURUÍ, Almir

Fonte: O Globo, Amanhã, p. 16-17



Em livro, as lições globais do cacique do pioneirismo
Parceiro da Google e prestes a lançar projeto de crédito de carbono, líder dos Paiter-Suruí prepara autobiografia.
Lançamento no Brasil ainda está sem data

Perfil
Almir Suruí
Líder do povo indígena Paiter-Suruí

RENNAN SETTI
rennan.setti@oglobo.com.br

Qual é o meio mais fácil para estabelecer contato com um cacique? Se o índio em questão for o líder do povo Paiter-Suruí, não carece cogitar expedições ou mesmo recorrer ao telefone. Envie um e-mail para seu endereço @gmail.com. e o destinatário responde com a mesma agilidade com que absorve tecnologias ascendentes na preservação de sua tribo.
Em se tratando de Almir Narayamoga Suruí, isso não surpreende. Afinal, foi ele quem motivou manchetes pelo mundo ao convencer a Google, em 2007, a lhe prover ferramentas para mapear a cultura dos povos que vivem na Terra Indígena Sete de Setembro, em Cacoal (RO). A trajetória de Almir, é claro, vai muito além. Tanto que está prestes a virar livro, em autobiografia escrita com ajuda do americano Steve Zwick, editor do site EcosystemMarketplace e ex-repórter da Time.
O livro será lançado nos próximos meses (a data ainda não foi escolhida, pois ainda procuram uma editora), primeiro em inglês.
A versão brasileira deve chegar alguns meses depois do lançamento da americana.
Almir e Zwick se conheceram há quatro anos, em Copenhague, na Conferência do Clima da ONU (COP-15). As intervenções do índio despertaram o interesse do americano, pela desenvoltura com que retrucava perguntas duras sobre iniciativas como o projeto de crédito de carbono que tenta implementar.
- O que mais me impressionou foi sua capacidade de se adaptar às situações. Ele fica à vontade na tribo, trabalhando com o governo de Rondônia ou na esfera internacional - conta o jornalista, que ainda não chegou a um acordo com Almir sobre o título do livro.
A autobiografia está sendo preparada há mais de um ano, em uma série de entrevistas entre Cacoal (RO) e Chicago (EUA), onde mora Zwick. O processo se deu apesar da incomunicabilidade da dupla: Almir não fala inglês, enquanto o jornalista não é versado em português nem tampouco em tupi mondé. O obstáculo foi superado com a ajuda de tradutores voluntários de ocasião.
Apesar de a obra se enquadrar na categoria autobiografia, o cacique insiste que o que será contada é a trajetória do seu povo.
- A luta dos índios é muito pouco compreendida.
Somos os maiores defensores do país. Vocês (brancos) precisam ler essa história em algum lugar - afirma Almir.
Mas, quer Almir queira ou não, é ele o Suruí de que todos falam e que recebe prêmios globais como o da Sociedade Internacional de Direitos Humanos (em 2008, em Genebra) por seu pioneirismo. Mas talvez "independência" seja palavra mais apropriada para descrever suas iniciativas.
Afinal, é isso que busca seu maior projeto, o Plano de Gestão do Território Sete de Setembro, os 247 mil hectares de terra onde vivem os cerca de 1,5 mil Suruís em Rondônia e em Mato Grosso. Lançado em 1999, o programa é ambicioso: planejar uma ocupação sustentável do território por 50 anos.
O motor desse sonho é o Carbono Suruí, projeto de crédito de carbono do tipo Redd+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), em que preservadores da floresta podem captar dinheiro pelo trabalho.
A iniciativa é pioneira: trata-se do primeiro programa de crédito de carbono idealizado por uma comunidade nativa no Brasil a chegar à etapa de certificação.
Carbono Suruí
A Fundação Nacional do Índio (Funai) não apoia projetos Redd+ porque não há regulamentação no país, mas reconhece que os Suruí foram "criteriosos" no seu. A posição também está ligada à multiplicação de projetos de carbono indígenas por empresas "aproveitadoras" (o adjetivo está em documento da Funai) que, segundo fonte a par da situação, estão interessadas apenas em aumentar seus portfólios para conseguir financiamento.
Em dezembro, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu na Justiça o cancelamento do contrato de exploração de carbono entre a irlandesa Celestial Green e os índios Xo Awo Hwara, também em Rondônia. A AGU investiga pelo menos 30 projetos semelhantes. Nenhum deles foi aprovado.
- O que a Funai coloca não é errado, mas o objetivo dos Suruí é dar início ao debate. Depois de ter o projeto certificado, eles terão de conversar com o governo, com o Ministério Público etc - afirma o diretor da Equipe de Conservação da Amazônia (Ecam), Vasco von Roosmalen, amigo de Almir.
Segundo Mauricio Voivodic, secretário-executivo do Imaflora - organização responsável pela tarefa -, o Carbono Suruí foi validado no início do ano passado. Isso atesta sua qualidade, mas ainda é preciso verificar se ele é capaz de cumprir o que promete, o que só deve acontecer no começo do segundo semestre.
Se aprovado, os Suruí estarão autorizados a vender créditos no chamado mercado voluntário de carbono, adquiridos sobretudo por empresas interessadas em limpar sua pegada poluidora - e os Suruí já negociam com algumas delas.
Programado para durar até 2038, o Carbono Suruí espera evitar a derrubada de 12,2 mil hectares de floresta, impedindo a emissão de 7,2 milhões de toneladas de dióxido de carbono. O preço médio dos créditos de carbono no mercado voluntário é de US$ 5 nos últimos anos. Por esse parâmetro de preço, o Carbono Suruí estaria avaliado em US$ 36 milhões pelos cálculos de von Roosmalen.
O antropólogo Henyo Barretto, diretor-acadêmico do Instituto de Educação do Brasil, que já trabalhou em três projetos com Almir, é um dos que classifica o cacique Suruí de pioneiro,mas observa que ele é resultado de um contexto que influenciou muitas das atuais lideranças indígenas:
- Ele integra a primeira geração de índios que, a partir dos anos de 1980, foi beneficiada pela facilitação ao acesso ao ensino superior, por meio de ONGs como a do ambientalista (e também índio) Ailton Krenak. O processo aproveitou o momento de preparação para a Assembleia Constituinte (1987-88), que viria a reconhecer os direitos dos nativos.
Mineração em terra indígena
Almir é biólogo formado pela PUC-Goiás desde 1994 e cursa atualmente Gestão Ambiental em uma faculdade particular de Cacoal.
É difícil escrever sobre o líder dos Suruí sem cultuá-lo. Identificado com histórias de superação, ele vem também colecionando inimigos. Não à toa, ele e sua tribo estão sob proteção da Força Nacional de Segurança, desde 2012. A decisão extrema aconteceu depois de Almir e outras lideranças terem sido ameaçados de morte por madeireiros da região, que assediam a terra dos Suruí desde o fim dos anos 1960. As ameças já foram denunciadas repetidas vezes por Almir.
Novas brigas estão por vir. Está para ser votado este ano, na Câmara dos Deputados, o projeto que prevê a exploração mineral em em terras indígenas. A Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) prospectou, nos anos 1977, a existência de garimpo e caciterita na área. Mais recentemente, no entanto, começou-se a falar na existência de ouro e terras raras. Almir desconhece o estudo, mas teme pelo futuro da sua tribo. Enquanto dribla ameaças de todo tipo e concluí o livro, ele não descarta uma eventual candidatura.
Traquejo e jogo de cintura para atuar na vida pública Almir tem de sobra, falta agora ampliar a abrangência de sua liderança indígena para o mundo da política.

"NÓS, ÍNDIOS, SOMOS OS MAIORES DEFENSORES DO PAÍS. OS BRANCOS PRECISAM LER ESSA HISTÓRIA EM ALGUM LUGAR"
Almir Narayamoga Suruí Coordenador da Metareilá, associação dos Suruí

O Globo, 26/03/2013, Amanhã, p. 16-17
 

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