De Povos Indígenas no Brasil
A versão imprimível não é mais suportada e pode ter erros de renderização. Atualize os favoritos do seu navegador e use a função de impressão padrão do navegador.

Notícias

Procuradores recomendam negociação para retomada indígena em Maquiné

22/03/2017

Fonte: Sul21- http://www.sul21.com.br



"Queremos que o Estado devolva nossa terra e queremos negociar. Enquanto não negociar, não vamos sair". A frase do cacique André sobre a situação da retomada dos Guarani Mbya, em Maquiné, no litoral norte do Estado, resumiu a intenção da audiência pública convocada pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, nesta quarta-feira (22). André é o cacique do grupo com mais de 80 pessoas que desde o final de janeiro ocupa parte de uma área da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro). A decisão judicial da ação de reintegração de posse determina que os indígenas deixem o local até o próximo dia 04 de abril.

Na audiência, lideranças indígenas, procuradores e deputados defenderam ações que pressionem uma extensão do prazo para que o caso seja analisado junto ao governo. Como a área em questão é patrimônio público e não envolve conflitos com agricultores, segundo parlamentares, a resolução seria "fácil". Dependeria principalmente de vontade política.

Esta semana, veio a público um novo fato que, segundo o procurador federal que acompanha o caso e os próprios parlamentares, pode apontar uma saída. Segundo eles, desde o final do ano passado, o secretário estadual de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo, Tarcísio Minetto, e representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) estariam em contato via e-mail para negociar a entrega de 11 áreas do Estado, todas no litoral, para demarcações de terras indígenas. Em troca, o valor das áreas seria abatido da dívida do Rio Grande do Sul com a União. A ideia seria incluir a área de Maquiné como a 12ª da lista. A Procuradoria Federal adiantou que deve pedir a anexação dos e-mails ao processo, nos próximos dias.

"A gente não consegue minimamente resolver uma situação que é tão simples. Porque essa área é pública", explanou a deputada Stela Farias (PT). "É impossível que com uma Fepagro, que foi extinta, que os próprios servidores estão tentando reverter na Justiça, cujo secretário deveria estar aqui, [que o governo] diga que é impossível negociar porque tem pesquisa e dinheiro investido".

O procurador da Procuradoria Federal Regional de Capão da Canoa, Guilherme Mazzoleni, diz que a informação inicial recebida por eles era de que não havia reivindicações de indígenas para a área, anteriores à ocupação. "Mas talvez tenha sido um desencontro de informações", ponderou. Mazzoleni, que também representou a Funai na audiência, disse que na terça-feira (21) o próprio órgão reconheceu a existência de reivindicações prévias. As três áreas já demarcadas na região - Barra do Ouro, Varzinha e Riozinho - mostram que a luta indígena para recuperar territórios originais no litoral norte é movimento antigo.


Posição de procuradores abre 'clima para negociação'


Além de trazer a questão da retomada Guarani para dentro da Assembleia Legislativa, a audiência de hoje sinalizou uma posição diferente por parte de procuradores da Procuradoria Geral do Estado (PGE). Na ação de reintegração de posse da área de 335 hectares, apresentada pela PGE na Vara Federal de Capão da Canoa em janeiro, a retomada foi classificada como "invasão". A própria Procuradoria pedia "urgência" na retirada dos Guaranis do local, alegando que "a situação está se consolidando, sendo que o decurso do tempo só acarretará maiores prejuízos ao Estado, especialmente porque essas moradias terão que ser derrubadas, enquanto que o material nela empregado sequer é recuperável".

No entanto, na audiência pública na Assembleia, procuradores - uma representando a PGE e os demais como membros de outras organizações - defenderam diálogo e reconheceram a legitimidade da reivindicação do povo Mbya Guarani. O procurador Silvio Guido Jardim, representante do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPI), disse que a presença dos Guaranis na região remonta ao "ano 800 da era cristã". "Então, 'retomada' não é um termo impróprio para a situação que estamos vivendo. Existem pesquisas [da Fepagro na área] só que não abrangem a dimensão da área que está lá. Isso podemos aferir. Todos que foram até o local viram que não é uma área apropriada por pesquisa", defendeu.

Jardim também chamou a atenção para a possibilidade de que o "clima tranquilo" que existe no local, entre servidores do Estado que vivem na propriedade e os indígenas, possa mudar com uma reintegração de posse com presença da Brigada Militar. "A possibilidade de gerar um conflito a partir da reintegração de posse é grande. Há crianças lá e essa é uma preocupação".

De acordo com a procuradora Fabiana Barth, da Comissão de Direitos Humanos na PGE, no final do ano passado o governador José Ivo Sartori assinou um decreto instituindo uma comissão para acompanhar as questões relacionadas a demarcações de terras indígenas no Rio Grande do Sul. O decreto 53.349 determina que todas as secretarias do Estado tenham representantes na Comissão. No entanto, segundo Barth, até agora ninguém foi indicado e o grupo não pode começar os trabalhos. "Estamos fazendo pressão diuturnamente pedindo", assegurou ela.

Para o deputado Jeferson Fernandes (PT), presidente da Comissão que convocou a audiência, a posição manifestada pelos procuradores abre "clima para a negociação". "Se a própria PGE vem aqui e diz que quer fazer a negociação, ou mesmo procuradores da ativa e aposentados, também manifestando que é possível, eu vejo que tem um clima legal. Só que o prazo está nos apertando", disse ele depois da reunião ao Sul21. "Nossa pressa agora é falar junto ao Procurador Geral do Estado para que esse prazo seja dilatado. E depois do prazo aberto, nós tentarmos a mediação, para conciliar a pesquisa com a permanência dos indígenas na área".


Trabalho da UFRGS está mapeando presença na região


Antes da audiência, um vídeo de cerca de dois minutos mostrou depoimentos sobre a vida na nova tekoá Guarani. Nele, o Cacique Cirilo, líder dos caciques Guaranis no estado, desabafa: "Hoje nós vivemos numa pequena área cercada, como passarinho cercado". A referência dele é quanto a áreas não-produtivas que foram entregues aos indígenas, onde o clima complica o cultivo de plantações. "A gente fica feliz de fazer retomada. Estávamos esquecidos na beira da estrada e um dia sonhamos com as crianças e mulheres Guarani naquela área", completou ele, na Assembleia.

Segundo o professor de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), José Otávio Catafesto de Souza, a área do litoral norte, inclusive o ponto da retomada, vem sendo circulada pelos Guaranis desde a década de 1980. "É importante que se saiba que essa discussão toda, em relação a área específica, é só um elemento. Estamos com levantamento para mapeamento das trilhas e caminhos antigos que conectam essas diferentes áreas e isso institui aqui uma discussão mais profunda ainda, que é a reivindicação que os Guaranis têm, de pelo menos duas décadas, para acesso livre", explicou ele na audiência. "Eles não querem apenas reconhecimento de espaço para criação de suas aldeias, eles querem ter acesso às propriedades onde existem elementos criados por Ñanderú (Deus na língua Guarani) para alimentação e sobrevivência dos Mbya Guarani".

Catafesto também contrapôs as alegações de que não haveria reivindicações pela área de Maquiné até a ocupação deste ano. "Se essa demanda não chegou à Funai até o momento, é porque os indígenas não viram na Funai - ou não veem ainda - uma perspectiva de avanço. Na verdade, o [cacique] André já vem há pelo menos sete anos, em contato interno com os funcionários da Fepagro e faz reivindicações para criar uma aldeia dentro da área", lembrou ele.

O professor ressaltou ainda que os próprios próprios Guaranis têm feito trabalho de proteção e preservação da área desde que começaram a retomada. Pomares que estavam abandonados estão sendo roçados pelos índios e a extração ilegal da flora nativa - como palmito juçara e samambaias - tem sido coibida por eles. Segundo ele, nenhuma das outras 11 áreas que estariam em negociação entre o governo do Estado e a Funai tem a qualidade da área de Maquiné. Enquanto ela possui mata atlântica original em boa parte do terreno, as demais têm reflorestamento de eucalipto e devastação da flora nativa.


Secretaria de Agricultura e Fepagro não compareceram


A Secretaria de Agricultura, que incorporou a Fepagro como Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária, segundo afirmação do chefe de gabinete da Fepagro em entrevista ao Sul21, não enviou representantes para a audiência desta quarta.

Apenas um assessor técnico do setor indígena da Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo esteve presente. Ele salientou que, como técnico, não entraria na questão política do caso. Segundo James Diego Roth, a criação de terras indígenas dentro de áreas que pertencem ao Estado não é novidade. Apesar de reconhecer o "apego espiritual" dos indígenas ao local, ele disse que precisava falar "objetivamente" sobre o fator econômico. "Temos nesse caso uma área de mata nativa, que é uma dificuldade que temos hoje com áreas indígenas. São terras que estão degradadas e que precisam de investimento do Estado", analisou. Roth lembrou que a pasta também possui trabalho de etnodesenvolvimento, com levantamento de mapas e certificação das áreas, que colaboraria com a causa indígena.

A sugestão do promotor do Ministério Público Federal, André Casagrande Raupp, é de que a partir de agora se trabalhe para encontrar órgãos do Estado e agentes que possam colaborar para encontrar uma solução para os dois lados. "A parte processual, de levar esses dados e informações, é o que a gente vai começar a fazer agora. Porque o pedido do Estado na ação de reintegração de posse é para que a comunidade indígena saia, e tem outros órgãos do Estado trabalhando em sentido diferente, em tentar buscar o diálogo e conciliação", explicou ele.

O deputado Pedro Ruas (Psol) avaliou a condução dada a situação até o momento como "grave". "O governo do Estado não tem mais a Fepagro e quer impedir que a comunidade indígena retome a área que lhes é de direito em Maquiné. Isso não é nada. Mas o governo do Estado tem outros planos para essa área e encontra respaldo na judicialização", apontou. Ruas disse ainda que se a reintegração de posse se confirmar será mais uma "espoliação dos direitos indígenas".

Todas as terras que os Guaranis possuem hoje no Rio Grande do Sul foram cedidas pelo Estado. A negociação virou uma forma de o governo estadual tentar reparar o passado, no mesmo local que gerou as Guerras Guaraníticas e o maior extermínio de guaranis no Brasil. A esperança dos indígenas é que a retomada de Maquiné seja mais um exemplo na lista de áreas reconhecidas pelo Piratini.

"Dificilmente temos uma situação de harmonia numa retomada Guarani como temos em Maquiné. Estivemos fazendo levantamento de campo, e as pessoas estão vendo com positividade o fato político que os Guaranis criaram em proveito do patrimônio gaúcho. É assim que os Guaranis "se posicionam a respeito daquela área, eles não querem que se transforme numa área exclusiva. Cada vez mais, isso é admirável, eles se abrem a essa parceria e ao desenvolvimento de projetos", avalia o professor Catafesto. "Eu tenho um depoimento para dar: nunca vi crianças tão felizes como estas que estão em Maquiné".



http://www.sul21.com.br/jornal/pge-recomenda-negociacao-e-apoia-permanencia-indigena-em-maquine/
 

As notícias publicadas no site Povos Indígenas no Brasil são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos .Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.