De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias

Culturas sitiadas

08/05/2004

Fonte: CB, Pensar, p. 6-7



Culturas sitiadas
Pressões de mercado empurram grupos indígenas para exploração de recursos florestais e minerais

Pedro Paulo Rezende
Da equipe do Correio

Pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o professor Rinaldo Arruda acompanha a questão indígena há mais de 30 anos. Atuou, na maioria desses anos, no norte do estado de Mato Grosso e no sul de Rondônia, áreas onde cresce a exploração dos recursos naturais das reservas e onde ocorreram confrontos entre índios e invasores brancos. No último choque, 29 garimpeiros foram mortos pelos cintas-largas, que possuem importantes reservas de diamantes em suas terras. Embora considere o fenômeno natural, o pesquisador confirma a crescente contaminação da cultura indígena por valores absorvidos da "sociedade branca" e o surgimento de uma mentalidade capitalista entre as nações. Entre efeitos danosos constatados, surgimento de doenças de branco- hipertensão, diabetes e até mesmo Aids.
Para Rinaldo, a legislação brasileira é extremamente avançada. Ele também defende a concessão de áreas indígenas e a demarcação urgente das reservas.
Em entrevista ao Correio, ele mostrou a extensão do problema da contaminação cultural e dá pistas que ajudam a explicar as razões do massacre de garimpeiros ocorrido na reserva cinta-larga há pouco mais de duas semanas.
Contaminação cultural
"Não há como separar a sociedade indígena da nossa. Existe uma relação de troca. Eles querem viver como índios, mas adotam vários produtos nossos, da mesma maneira que absorvemos conhecimentos deles, como a batata, a borracha e o fumo. A medicina moderna usa o curare (veneno usado para paralisar animais) como eficiente anestésico. Isso pode ser um choque para quem acredita na idéia de que o gás que ilumina a civilização é a sociedade européia. As sociedades se comunicam e é impossível impedir que um índio, depois de conhecer os bens industrializados, deixe de utilizá-los."
Dinâmica capitalista
"Preciso fazer uma ressalva. Ninguém critica quando uma família branca enriquece. Por que isso não se aplica às comunidades indígenas?
É como se eles não tivessem o direito de prosperar.
De uma maneira geral, a pressão sobre as aldeias vem de fora, de gente da região que quer ter acesso às riquezas da reserva. E isso termina gerando uma relação de troca.
Diante das invasões e da impossibilidade de retirá-los da área, algumas aldeias aceitam fazer acordos, deixando-os trabalhar em garimpos ou extração de madeira em troca de dinheiro ou bens materiais. É verdade que existem propostas mais organizadas.
Os wãimpi, que vivem no Amapá, tentaram estruturar a exploração de sua área, apoiados pelo Instituto Socioambiental, uma organização não-governamental que estuda a possibilidade de projetos de desenvolvimento auto-sustentáveis. Desenvolveram um programa de exploração do garimpo de ouro, fazendo um rodízio entre as famílias da região e sem o uso de mercúrio.
Também realizaram recuperação de áreas degradadas. Como a questão não foi regulamentada, tudo parou e o presidente do ISA agora responde processo na Justiça.
Males da "civilização"
"A mudança de comportamento e hábitos alimentares afeta a saúde dos povos, com recorrências de males crônicos da sociedade moderna. Como surgimento de dinheiro nas aldeias, os índios saem da aldeia para comprar coisas gostosas como massas, refrigerantes, frangos, balas, doces e salgadinhos. A vida também passa a ser mais sedentária e é claro que aparecem as chamadas doenças de branco, como hipertensão e diabetes. Nesse processo, constatou-se uma redução no índice de natalidade dos cintas-largas.
Também já constatamos casos de Aids em alguns grupos. Eles saem da reserva e freqüentam prostíbulos nas cidades e terminam contaminados. Nesse ponto, surge uma falha no programa da Fundação Nacional da Saúde contra a proliferação do HIV, centrado no fornecimento de camisinhas. Uma doença pode ser vista de maneira diversa, dependendo do grupo. Em alguns povos, a campanha da Funasa explicando a existência de um vírus é entendida. Em outros, vale o universo simbólico e a doença é vista como algo mágico, que precisa da atenção do xamã."
Massacre no garimpo
"A morte dos 29 garimpeiros, executados pelos cintas-largas, causou um grande impacto. Conversei com algumas lideranças, principalmente xavantes, e a opinião geral é a mesma: todas as comunidades devem decretar guerra, se armar e expulsar os invasores."
Papel da Funai
"De uma maneira geral, a legislação brasileira é ,avançada e inovadora.
Aprovada em 1988, antecipa e atende as normas estabelecidas para a mão-de-obra indígena da Organização Internacional do Trabalho. Mas existe um vazio. O Estatuto do índio, escrito na década de 70, que precisa de urgente atualização.
Existem excelentes projetos no Congresso, que dormem nas comissões. A meu ver, isso pode ser proposital. Grupos econômicos podem usar brechas legais para explorar riquezas nas reservas."
Reservas insuficientes
O Brasil tem mais de 600 áreas indígenas para cerca de 200 nações. A grande maioria possui área relativamente reduzida. Há comunidades no Nordeste que nem possuem o suficiente para manter uma lavoura de subsistência. Um aspecto nunca lembrado na questão das reservas é o crescimento populacional das nações indígenas, em geral muito mais acelerado que o da chamada sociedade branca. Isso está pressionando as áreas já definidas e alguns grupos já se ressentem dos efeitos do avanço demográfico, inclusive sofrendo períodos de escassez de alimentos.
Alerta
Funai e organizações não-governamentais já detectaram sinais concretos de contaminação cultural. Abaixo, problemas constatados pelas comunidades acadêmica e indigenista
Os karitianas colocaram seu patrimônio genético à venda. Um site na Internet aceita proposta pelo DNA do grupo para pesquisas biomédicas
O Em Rondônia e no sul do Pará, os índios exploram e devastam a floresta com o abate de árvores e garimpos com o apoio de empresários de cidades próximas ligados a exportadores de madeira, ouro e pedras preciosas
O dinheiro reverte para lideranças, que aplicam recursos em facilidades como carros e aviões, sem levar em conta o bem da comunidade. Isso é muito perceptível em grupos como caiapós e cintas-largas
Os caiapós-xicrim obtêm importantes recursos financeiros da Vale do Rio Doce, com direitos de passagem de linhas de energia e exploração de minérios na reserva. Eles têm um projeto de coleta de castanha. Foi contabilizado o quanto conseguiam com a venda do produto e o gasto em sua permanência na mata. Como os índios levam colchões e até televisores para a floresta, gastam dez vezes o que arrecadam em uma logística extremamente complicada
Estudo feito entre os suruís comprovou o aparecimento das chamadas doenças de branco, como hipertensão e diabetes, principalmente entre os encarregados de gerir os recursos da aldeia
Outro problema que está se tornando crônico é a presença do lixo industrializado. Os dejetos são tratados como resto orgânico e largados nas proximidades da aldeia. Embalagens plásticas e latas servem como criadouros de insetos e terminam por contaminar o lençol freático

CB, 08/05/2004, Pensar, p. 6-7
 

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