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TRF manda obra de hidrelétrica prosseguir

29/09/2006

Fonte: Folha do Estado, Cidades, p. 11



TRF manda obra de hidrelétrica prosseguir
Paranatinga Energia conseguiu derrubar embargo da Justiça Federal
As obras podem continuar até que Tribunal decida definitivamente

Fátima Lessa
Reportagem Local

O Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª. Região decidiu liberar a construção da Pequena Central Hidrelétrica Paranatinga 2. A obra, em execução no rio Culuene, em Mato Grosso, estava embargada desde abril deste ano, quando o juiz federal Julier Sebastião da Silva decidiu interrompê-la e transferir seu licenciamento ambiental para o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

No dia 20, a Paranatinga Energia S/A, dona do empreendimento, conseguiu uma liminar no TRF da 1ª. Região que confere efeito suspensivo à sua apelação. Com isso, as obras podem continuar até que aquele Tribunal decida definitivamente sobre o caso. Para alguns especialistas isso pode levar anos. O Ministério Público Federal (MPF) afirma que vai recorrer, embora a Folha do Estado não tenha conseguido resposta do procurador Mauro Lúcio Avelar. O advogado Raul Silva Telles do Vale, do instituto Socioambiental (ISA), aponta para o risco de se criar uma situação irreversível do ponto de vista prático e, conseqüentemente, judicial

Ontem, por telefone, o advogado disse que "o problema dessa liminar é que se antes do julgamento final a hidrelétrica ficar pronta e começar a funcionar, será muito difícil o Judiciário decidir pelo seu fechamento mesmo que reconheça que houve ilegalidades durante o licenciamento ambiental", afirma.

A hidrelétrica
A PCH é erguida no leito do rio Culuene entre os municípios mato-grossenses de Campinópolis e Paranatinga. O Culuene é um dos principais formadores do rio Xingu. O projeto, iniciado em 2004, prevê o alagamento de uma área de 1.290 hectares, dos quais 920 de vegetação nativa. O lago será formado pela edificação de duas barragens e o projeto está orçado em R$ 46,4 milhões para a geração de pouco mais de 29 megawatts de energia.

Desde o início, a hidrelétrica vem sendo objeto de protestos por parte das comunidades indígenas alto-xinguanas, alarmadas com seus efeitos na reprodução dos peixes que constituem a base de sua dieta alimentar.

Os índios também afirmam e estudos antropológicos confirmaram que o trecho do Culuene que está sendo desfigurado pelas dinamites e máquinas é um dos locais sagrados na mitologia do Alto Xingu, onde teria ocorrido o primeiro Quarup.

O Quarup é hoje uma das principais cerimônias dos povos indígenas da região, cuja realização anual homenageia suas lideranças mortas.


Execução de obra é trabalho Polêmico

A execução da obra em locais importantes para a mitologia dos povos nativos foi objeto de um polêmico trabalho de campo encomendado pela Paranatinga Energia. O relatório da empresa conclui que o local sagrado do primeiro Quarup, chamado Sagihenhu, não seria no ponto do rio onde a barragem está sendo erguida. A consistência do estudo, entretanto, foi criticada por um dos maiores especialistas nos povos do Alto Xingu, o antropólogo Carlos Fausto, do Museu Nacional.

Em carta ao site do Instituto Socioambiental (ISA), a antropóloga Gláucia de Mello responde ao antropólogo Carlos Fausto, do Museu Nacional, que escreveu artigo publicado no sito do ISA a respeito do estudo sobre o patrimônio cultural dos povos indígenas do Alto Xingu, do qual ela participou.

Ao defender a análise que fez no estudo encomendado pela Paranatinga Energia, dona do empreendimento, a antropóloga revela a existência de um laudo anterior que, segundo ela, "prejudica realmente os índios".

Um recente estudo sobre os principais impactos ambientais que seriam causados pela PCH, apresentado pela Paranatinga Energia aos órgãos federais, confirma a preocupação dos povos alto-xinguanos em relação à alteração ou mesmo extinção de espécies de peixes, utilizadas na alimentação das comunidades indígenas.

O estudo da empresa afirma que a ictiofauna será impactada pelo empreendimento. Mesmo as espécies de peixes que não realizam a piracema (subida do rio para desova) sofrerão impactos indiretos, "uma vez que servem de alimento ou se alimentam das espécies reofílicas (que realizam a piracema), provocando possíveis alterações na estrutura trófica do sistema".

A barragem será um obstáculo para as principais espécies de peixes consumidas pelos índios, de acordo com o seguinte trecho do estudo: "Já as espécies reofílicas que empreendem o processo migratório para completar seu ciclo reprodutivo, a exemplo de piaus, matrinxãs, pintados, pirararas, dentre outras, terão no barramento projetado, sem dúvida, um obstáculo." (com informações do site do ISA)


Etnias protestaram contra execução de obra
Querem preservação das cabeceiras do Xingu

No final de maio, cerca de 200 índios de diversas etnias, de dentro e fora do Parque Indígena do Xingu, se reuniram no local da obra para protestar contra sua execução e pedir pela preservação da região das cabeceiras do Xingu. "Nossa preocupação é que a decisão judicial da semana passada provoque novos conflitos na região", afirma Márcio Santilli, do ISA.

O empreendimento, que foi licenciado pelo governo do Mato Grosso em 2004 e já tem boa parte das obras executada, deveria passar por um novo processo de licenciamento ambiental, conduzido pelo Ibama, entre outros motivos pela identificação, por parte da Fundação Nacional do índio (Funai), da existência de território xavante no local da obra.
Lideranças
As conclusões do estudo recomendado pela Paranatinga Energia S.A deixaram as lideranças indígenas ainda mais alarmadas. "A gente vive basicamente de peixe. E temos locais onde têm maior número de peixes, no Culuene é um deles, e está sendo destruído", diz Pablo Kamaiurá, uma liderança emergente do Parque Indígena do Xingu.

Kamaiurá aponta uma série de questões não respondidas pelo estudo da empresa. "Não se define que tipo de peixe vai diminuir, quanto tempo vai levar para voltar ao normal. Todo ano os peixes sobem para se reproduzir, mas agora o caminho vai estar fechado. Falam que tem a escadinha, mas o peixe não vai saber que tem a escadinha para descer o rio também...".

Kamaiurá explica que os peixes são a base de vários rituais e festas alto-xinguanas. "O dono da festa pesca para a aldeia. Se não tiver peixe, qual vai ser a importância do ritual? Não poderemos fazer como nossos ancestrais. Ou vamos pegar arroz e macarrão para fazer o ritual?", questiona. Para ele, nenhuma barragem deve ser construída nas cabeceiras do Xingu. (Com informações do site do ISA)

Folha do Estado, 29/09/2006, Cidades, p. 11
 

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