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Tukano e baniwa artesanato para o mundo

31/07/2007

Fonte: Empório Amazônia Design



Tukano e baniwa artesanato para o mundo

Por Loredana Kotinski Foto Pedro Martinelli

Na Tok Stok em São Paulo, uma das mais badaladas lojas de móveis e decoração do Brasil, um banco de madeira com assinatura da etnia tukano custa R$ 240. E é comprado mais como objeto de decoração do que como utensílio, para ser exibido em apartamentos moderninhos da capital paulista. Só no ano passado foram vendidos 300 deles nessa loja, depois de terem cruzado a floresta e quase todo o País para chegar às mãos dos felizes compradores.

O banco, que um dia foi sorva - uma árvore com tronco de aproximadamente três metros de diâmetro e até 20 metros de altura - é feito de uma peça só de madeira, sem encaixe ou emendas. Num trabalho totalmente manual - desde o corte da árvore e o carregamento até a pintura-, feito somente por homens tukano, os banquinhos vão nascendo. A cada sorva a produção média é de 20 peças esculpidas com machados e o enxó (espécie de foice), que depois são coloridas com urucum e barro extraído do rio Tiquié, e desenhados com a ajuda de palhas de palmeira. Uma dura e ao mesmo tempo delicada tarefa, que faz dos bancos objetos de um quase ritual da criação.

O rito, aliás, é algo que está intimamente ligado à origem dos bancos. Chamados de Kumurõ, eles fazem parte do mito da origem do povo tukano, onde é citado como o assento do Avô do Mundo, o criador. Considerado um dos instrumentos cerimoniais dessa etnia, ele é também presente trocado entre cunhados. Atualmente, afora as utilidades a que se prestam nas casas de não-índios, é oferecido como lugar de honra para o benzedor da tribo.

Seu assento côncavo e altura média de 15 centímetros, além dos grafismos, fazem do banco uma assinatura do povo tukano, conforme o antropólogo Aloísio Cabalzar.
Há nove anos trabalhando junto a essa etnia, ele afirma que o Kumurõ é relatado como tendo sido de quartzo na lenda desse povo e está para eles como referência tal qual os ralos estão para os baniwa ou as canoas de madeira para os tuyuka.
O selo de origem, qualidade e exclusividade - somente os tikuna fabricam bancos desse tipo - garantem mercado em franca expansão para o produto. Prova disso é que além dos 300 bancos vendidos para a Tok Stok em 2006, outros 140 já foram entregues para a loja este ano. E uma novidade deve incrementar essas vendas em 30%, aposta o Instituto Socioambiental (ISA), organização não-governamental que apóia o projeto de produção do artesanato dos tikuna e atua na negociação das vendas dos produtos no Brasil e no resto do mundo.
Tudo porque entra no ar em setembro o sistema de vendas on-line dos bancos. O negócio será fechado no site da Casa de Produtos Indígenas do Rio Negro, que terá uma oferta de mais outros cem itens de artesanato e publicações dos povos indígenas dos rios Tiquié e Içaria, ambos afluentes do rio Negro e localizados no território do município de São Gabriel da Cachoeira, extremo noroeste do Amazonas. A página na internet irá oferecer peças a varejo, que serão encomendadas diretamente aos índios, ou melhor, a três índias que administram - sob a batuta da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro - a versão física da Casa de Produtos Indígenas do Rio Negro, uma central de negócios situada na sede de São Gabriel da Cachoeira.

De lá, tal qual nos dias atuais, os pedidos chegarão às 1 1 comunidades que fabricam os bancos para venda. Daí em diante, um longo prazo será preciso para que as peças cheguem ao comprador. A demora - são três dias para produzir um banco, outros três ou quatro para que ele saia da aldeia e chegue à sede do município e de lá até cidades como São Paulo são mais uns 20 dias - só valoriza a peça. Afinal, quem não vai querer possuir uma verdadeira obra de arte produzida por mãos de índios tukano e saída dos confins da floresta amazônica?

E o melhor: com selo de sustentabilidade. 'Como eles não fabricam em larga escala e nem vivem somente disso - eles continuam a praticar a agricultura de subsistência e a pesca para viver- o impacto sobre a floresta é quase nenhum", garante a coordenadora do Projeto de Artesanato do ISA, Natalie Unterstell. De acordo com ela, o site vai ajudar a aumentar as vendas e a divulgar um trabalho iniciado em 2001, com a intenção de resgatar a cultura dos tukano. Hoje, 35 índios tocam tudo relacionado à produção dos bancos e são donos do próprio nariz, quer dizer, dos próprios assentos.

Uma independência, que já vem sendo experimentada há mais tempo pelos índios baniwa, habitantes das margens do rio Içaria. Suas cestarias feitas com fibra de arumã, possuem um trançado preciso e grafismos geométricos, que remetem a carapaças de besouros e até pegadas de onça, figuram na prateleiras da Tok Stok, da rede de supermercados Pão-de-Açúcar, da empresa de cosméticos Natura e recentemente fizeram parte da campanha promocional das sandálias da Grendene, que levavam o nome da top model Gisele Bündchen.
Famosos? Sim, senhor e sem precisar arredar o pé da maloca, no meio da floresta amazônica. Os balaios, cestos, peneiras e até esteiras viajam de barco, desviando as pedras das corredeiras. Depois seguem de avião e chegam intactas nas lojas. 0 selo de origem, confirmando que ali tem a mão e a cultura baniwa, vai junto e depois é só esperar o dinheiro chegar na conta da Organização dos índios Baniwa (Oibi) e de lá para o bolso do artesão.
Desde 1999, os baniwa - com a ajuda do ISA - aprenderam que as cestas que carregavam mandioca e peixe, que as esteiras que forravam o chão das malocas e que as peneiras que guardavam a goma e a farinha podiam ser mais que resistentes utensílios domésticos. Pelas mãos dos homens - somente eles produzem as cestarias - essas peças foram se transformando em objetos de decoração no mercado nacional. E hoje geram uma renda anual que pode chegar a R$ 500 por artesão. Nada mal para quem produz quando tem vontade e na quantidade que deseja.

"Nosso ritmo e sistema de produção é muito diferente dos não-índios. Produzimos para comprar aquilo que necessitamos, mas não vivemos somente disso. Por isso dá certo, porque não pensamos em juntar dinheiro, queremos só um pouco mais para comprar um sapato para um filho ir para a escola ou um sal para a comida", explica o presidente da Oibi, André Baniwa, 35 anos.

De acordo com ele, são 13 comunidades e 230 índios produzindo artesanato na região do Içaria. O lucro das vendas já rendeu para a coletividade uma escola que atende até 100 alunos indígenas que aprendem tudo em português e baniwa, com professores índios, história e cultura dessa etnia. "Essa escola atende gente de 30 comunidades. Isso quer dizer que o trabalho é de alguns, mas muita gente ganha com ele:"

Se em 2006 foram 15 mil peças vendidas, este ano o ISA estima que os baniwa comercializem 40% a mais que isso. E as portas do mercado devem abrir-se ainda mais quando o site www.artebaniwa.org.br começar a ser visitado. No ar há pouco mais de um mês, ele oferece cestas e balaios por dúzia. A diferença é que o comprador adquire a peça direto com os índios, sem a intermediação de lojas e portanto a preços melhores. Se não quiser comprar nada, ainda assim a página merece ser visitada.

Nela estão filmetos sobre o processo de produção das peças baniwa e, logo, um pouco da cultura desse povo. Uma gente que trança a cesta como quem tece a vida: com cuidado e levando em conta a cultura. Contatados no século 18, eles foram escravizados por espanhóis e portugueses e hoje continuam a lutar por sua sobrevivência como índios. O artesanato, um dos mais importantes instrumentos de garantia dessa cultura, de acordo com o antropólogo e presidente do ISA, Beto Ricardo, não é ensinado na escola: é tradição passada de pai para filho. E antes deles, pelos ancestrais desse povo.

Empório Amazônia Design no 10, jul. 2007.
 

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