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Resistência dos rizicultores gera tensão na Raposa Serra do Sol

04/04/2008

Autor: Clarissa Tavares e de J. Rosha

Fonte: Brasil de Fato



"Já se passaram mais de 30 anos desde o primeiro pedido de regularização da área. O Estado brasileiro deve providenciar a retirada imediata dos ocupantes", destacaram os indígenas no documento final da assembléia

A desocupação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, continua esbarrando na intransigência dos produtores de arroz, ocupantes de grande parte das áreas indígenas cultivadas. Após a notícia de que seria iniciada a operação de retirada dos invasores da terra, empregados do rizicultor Paulo César Quartieiro intensificaram as ameaças e agressões aos povos indígenas.

As ações começaram no domingo (30/3), quando funcionários de Quatieiro e moradores não-indígenas - invasores da Raposa Serra do Sol - interditaram a BR-174, nas proximidades da ponte do rio Cauamé, que liga o município de Surumu a Boa Vista. A região está localizada em terra indígena e fica distante da capital cerca de 230 quilômetros. Um grupo de aproximadamente 100 pessoas interditou os acessos à terra indígena com carros, tratores e pneus. Segundo a coordenação do Conselho Indígena de Roraima (CIR), todas as pontes para se chegar à área foram destruídas deixando as comunidades isoladas.

Paulo César Quartieiro, presidente da Associação dos Arrozeiros do Estado, foi preso na tarde de segunda-feira (31/3), pela Polícia Federal, por dano ao patrimônio e desacato à autoridade, mas foilibertado na noite do mesmo dia após pagamento de fiança.

Os rizicultores estão instalados no interior na Raposa do Serra do Sol desde 1996, com o apoio do governo estadual. Imensas lavouras de arroz irrigado passaram a ser cultivadas nas várzeas dos rios Surumu e Cotingo, causando danos ambientais e prejuízos à saúde das comunidades vizinhas. Os rizicultores bombeiam água dos rios para abastecer a irrigação e a devolvem com resíduos químicos, principalmente insumos agrícolas e agrotóxicos (leia mais).


Atentados contra as comunidades

Os recentes atentados contra as comunidades indígenas tiveram início seis dias antes da prisão de Quartieiro, quando, em 25 de março, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgou o processo que assegurou ao rizicultor o retorno ao cargo de prefeito do município de Pacaraima (RO). O mandato de Quartieiro havia sido cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, em 2006. A sede de Pacaraima está localizada na terra indígena São Marcos e tem abrangência até a Raposa Serra do Sol. Segundo a coordenação do CIR, Quartieiro utiliza o mandato de prefeito para interferir na organização social das comunidades de indígenas.

Na noite do dia 25, empregados do rizicultor juntaram-se a moradores não-índios que ainda permanecem na comunidade de Barro, na região de Surumu, para comemorar o retorno de Quartieiro à Prefeitura de Pacaraima. Após várias manifestações regadas a bebidas alcoólicas, saíram em passeata pelas ruas que atravessam a comunidade indígena. Lançaram foguetes em direção às casas de palhas dos indígenas e ameaçam a comunidade. Ficaram lá até às 3h da madrugada e informaram que voltariam na noite seguinte para incendear quatro casas.

Mas no dia 26 as lideranças indígenas se reuniram com representantes de órgãos envolvidos na operação de desintrusão da terra indígena - conhecida como Upatakon 3 - quando foram informadas que seria iniciada a retirada dos não-índios de Raposa Serra do Sol. À noite, um grupo de empregados de Quartieiro, conhecidos como "motoqueiros", incendiaram a maloca da comunidade indígena que vive em Surumu. O fogo foi controlado pelos próprios indígenas antes que se alastrasse.

Prática comum

A violência contra os povos indígenas de Roraima é praticada desde os primeiros momentos em que eles passaram a lutar pelo direito à terra e é acirrada cada vez que o governo federal anuncia alguma medida para retirar os invasores de Raposa. Em 30 anos de luta pelo território, mais de 30 indígenas foram assassinados sem que os autores dos crimes tenham sido condenados.

Durante a 37ª Assembléia Geral dos Povos Indígenas de Roraima, realizada de 6 a 10 de março na maloca do Barro, em Surumu, 12 malocas foram queimadas em uma outra comunidade, a do Mutum. Motoqueiros fizeram disparos com armas de fogo; uma bomba caseira foi detonada próximo ao local da reunião; pedras foram atiradas e ofensas dirigidas aos indígenas. Para garantir a continuidade do evento sem maiores incidentes, agentes da Polícia Federal foram mantidos no local.

Os indígenas denunciaram, mais uma vez, a demora do governo federal para solucionar o impasse. "As disputas sobre os direitos indígenas são conseqüências da morosidade na conclusão da regularização fundiária da terra indígena Raposa Serra do Sol. Já se passaram mais de 30 anos desde o primeiro pedido de regularização da área; três anos desde a homologação, de modo que não podemos mais esperar. O Estado brasileiro deve providenciar a retirada imediata dos ocupantes", destacaram os indígenas no documento final da assembléia.

Negociações para desintrusão

O governador de Roraima, Anchieta Júnior (PSDB), reconhece que a desocupação da terra indígena Raposa Serra do Sol é "irreversível". Em recente entrevista a um jornal de Boa Vista, ele disse que "não se discute mais a permanência, mas a melhor forma de se fazer a retirada". Essa certeza o levou a buscar uma solução negociada com os rizicultores, porém até o momento não houve avanço.

Os rizicultores dizem que o valor das indenizações não cobre os investimentos já feitos nas lavouras e justificam a permanência na área alegando que sem a produção do arroz todo o Estado de Roraima será levado à inviabilidade econômica. Anchieta Júnior viajou em meados de março a Brasília para discutir a proposta de retirada pacífica dos ocupantes. Ele fez questão de frisar que sua atuação se destinava a evitar um confronto direto entre os ocupantes e as forças federais. Entre as alternativas que apresentou ao presidente, estava a proposta de se transferir 5 milhões de hectares de terras que pertencem à União para o Estado de Roraima.

O procurador-geral da República em Roraima, Antônio Fernando Souza, encaminhou, dia 26 de março, uma recomendação ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e ao ministro da Justiça, Tarso Genro, para que promovam a imediata retirada dos ocupantes não-indígenas da área homologada. Consta ainda recomendação ao diretor-geral da Polícia Federal "para que cumpra o decreto de homologação da área indígena, mediante efetiva, ostensiva e permanente fiscalização do local, para garantia da segurança e ordem públicas e respeito aos direitos reconhecidos às comunidades indígenas da região".

No dia 7 de março, o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU (CERD) enviou, pela terceira vez, uma carta ao governo brasileiro manifestando preocupação pela demora na solução dos conflitos. O Comitê da ONU destacou a persistente violação de direitos fundamentais dos povos indígenas habitantes da Raposa Serra do Sol. O Brasil é signatário da Convenção 169 da OIT e da Declaração sobre os Direitos dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU (veja reportagem). Elas determinam que o governo deve adotar as medidas necessárias para determinar as terras que os povos indígenas ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse.

Porém, o cumprimento a essas determinações é questionável no caso de Raposa Serra do Sol. A terra, homologada há três anos, segue invadida pelos produtores de arroz. Esta é a terceira investida de desintrusão do território, mas alguns indígenas duvidam que as forças federais entrem na área para retirar os produtores mais resistentes como aconteceu em abril de 2005, na primeira Operação Upatakon, e em abril de 2006, durante segunda investida. Ambas foram interrompidas antes da retirada destes invasores.

Em busca de apoios internacionais para a situação dos povos indígenas de Raposa, a advogada do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Joênia Wapichana, estará em Nova Iorque, entre os dias 21 de abril e dois de maio. Neste período acontecerá a sétima sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Assuntos Indígenas. A situação em Raposa será apresentada a organismos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e, novamente, ao Comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD). Joênia espera que esses organismos, por meio de gestões junto ao governo brasileiro, ajudem a pôr fim aos conflitos em Roraima.
 

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