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RAPOSA SERRA DO SOL - Novo conflito se desenha na Vila Surumu

19/04/2008

Fonte: Folha de Boa Vista




Cento e trinta quilômetros de asfalto seguindo pela BR-174 e mais 40 quilômetros em estrada de chão com pontes destruídas levaram a equipe da Folha até a Vila Surumu, ao Norte de Roraima, coração do conflito na terra indígena Raposa Serra do Sol.

Na estrada que dá acesso ao Surumu está a primeira barreira montada por policiais federais e integrantes da Força Nacional de Segurança. Armados, eles explicam que todos os veículos que entram na comunidade têm que ser revistados.

Os policiais já encontraram armas e bebidas. Eles revistam minuciosamente o veículo, fazendo um relatório de dados sobre o motorista, ocupantes e razões pelas quais estão entrando na terra indígena. A barreira conta com um efetivo pequeno, cerca de 10 policiais.

No caminho até a vila, as pontes queimadas começam a ser reconstruídas pouco a pouco. Os rios foram assoreados para fazer um desvio facilitando o acesso à terra indígena. Na ponte sobre o rio Surumu, o bloqueio agora é feito por policiais federais. Uma imensa bandeira do Brasil tremula na ponte. Ela foi colocada por arrozeiros e índios contrários à demarcação da reserva em área contínua e deixa claro que, apesar da aparente paz, a tensão no local ainda é latente.

"Nós somos os guardiões das fronteiras. Nós verificamos casos de drogas, tráfico de mulheres e descaminho de combustível. Nós que defendemos a soberania de nossa fronteira. Podemos, sim, criar uma nação indígena, quem sabe no futuro. Sabemos trabalhar, desenvolvemos plantações e nessa nação podemos contribuir de forma efetiva para o desenvolvimento do Estado", explicou Ednaldo Pereira André, coordenador do Centro Indígena de Formação e Cultura da Raposa Serra do Sol (antiga Missão Surumu) e integrante do Conselho Indígena de Roraima (CIR).

Para chegar até ele, a Folha precisou solicitar uma autorização aos representantes do CIR. O pedido foi feito por um delegado da Polícia Federal, que só autorizou a permanência da equipe na assembléia realizada pelo CIR após a concessão da permissão pelo indígena.

Ednaldo André afirmou que os índios não vão aguardar a decisão do Supremo e vão fazer eles próprios a desintrusão. "Os não-índios terão que sair. Não aceitamos nenhuma revisão. São 30 anos de luta e não desistiremos. Vamos lutar até o último índio. Em 48 horas esse arrozeiro sairá de nossa terra ou vamos tirá-lo à força", declarou, referindo-se a Paulo César Quartiero, maior produto da região e prefeito de Pacaraima.

O líder indígena afirmou que no local já estão cerca de 500 índios, aguardando a chegada de mais 5 mil até a próxima segunda-feira. Ele contou que índios de todo o país estão apoiando a causa da Raposa Serra do Sol.

"Estamos recebendo e-mails solidários de índios mundurucu, cinta-larga, caiapó e xavante. Quem sabe assim poderemos chamar a atenção das autoridades que julguem ações que favoreçam os povos indígenas. Vamos dar o recado que seja julgado e não queremos o contrário", disse.

LADO - No mês passado, os conflitos estavam do outro lado - dos índios que defendem a permanência dos produtores de arroz e criaram a "resistência" contra a Operação Upatakon 3, da Polícia Federal, que acabou suspensa por decisão da Polícia Federal.

Polícia contorna princípio de tumulto

Em assembléia que começou anteontem, os indígenas decidiram que, além dos arrozeiros, vão retirar os 15 moradores não-índios da área urbana de Surumu. Poucas horas após a entrevista uma manifestação ocorreu na rua que divide o Surumu, em frente da Associação de Moradores. Com palavras de ordem, eles exigiam a saída dos "brancos". Os índios do outro lado disseram que não sairiam, dando início a um princípio de tumulto.

A Polícia Federal e a Força Nacional de Segurança conseguiram apaziguar os ânimos e controlar a situação. O clima na região poderá ficar tenso a partir de hoje, 19, depois que o CIR anunciou que os próprios indígenas iniciarão processo de expulsão que foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Em carta que começou a ser distribuída ontem, intitulada "Movimento Livre: resistir até o último índio", o CIR chama os arrozeiros de "invasores" das terras indígenas e garante que vai pôr em Surumu até 5.000 índios para lutar e defesa das terras da Raposa Serra do Sol.

Sede administrativa de Pacaraima está instalada na Vila Surumu

O prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero (DEM), já disse que não vai ceder ao ultimato dado pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) para que ele deixe suas fazendas num prazo de 48 horas. Ele fez uma denúncia das ameaças que está sofrendo na superintendência de Polícia Federal e pediu proteção.

Quartiero anunciou que vai permanecer no Surumu hoje, quando termina o prazo dado pelos indígenas ligados ao CIR. Ele reassumiu a Prefeitura de Pacaraima na terça-feira, 18, depois que conseguiu reverter no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a cassação determinada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE).

No dia seguinte à recondução ao cargo, Quartiero instalou o gabinete na localidade de Surumu, de onde faz os despachos e administra o município. Em entrevista à Folha, ele disse que vai ficar no local enquanto permanecer o estado de emergência decretado por ele próprio em todo o município.

O coordenador do CIR, Dionito José de Souza, afirmou que a ação de retirada dos não-índios neste sábado marcará as comemorações pelo Dia do Índio. "Faremos cumprir o decreto de homologação da terra indígena", frisou.

Comissão Externa enviará Moção de Apelo ao Supremo

A Comissão Externa da Assembléia Legislativa vai entregar uma Moção que manifesta ao Supremo Tribunal Federal (STF) apelo para revisão da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol e apoio à suspensão das operações de retirada dos habitantes não-índios da região.

Segundo a Moção, as sucessivas ações do Governo Federal em Roraima, no âmbito da demarcação de terras indígenas, desrespeitam o princípio federativo. As grandes extensões das terras destinadas aos povos indígenas no Estado transformam na unidade da Federação com o maior percentual de terras indígenas no Brasil.

Consta ainda que os diversos estudos que comprovam a existência de laudos tendenciosos e outros com graves erros técnicos e jurídicos no processo de demarcação de terras indígenas. Com o agravamento de sérios conflitos que têm caracterizado o processo de demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol.

Relata ainda a retirada forçada dos colonos, que há mais de 20 anos residem em lotes produtivos, para localidades sem qualquer infra-estrutura, em franco desrespeito a sua contribuição para o desenvolvimento do Estado, da região e do país.

Para os parlamentares, é fundamental a decisão do STF no que concerne à Segurança Nacional, o futuro do Estado e o convívio harmonioso entre os povos indígenas e não-índios que aqui habitam.

A Moção de Apelo foi assinada pelo senador Mozarildo Cavalcanti (PTB), representante do Senado Federal, através da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, e os deputados estaduais Aurelina Medeiros (PSDB), Ionilson Sampaio (PMDB), Zé Reinaldo (PSDB), Marília Pinto (PSDB) e Ivo Som (PTN), que fazem parte da Comissão Externa criada pela Assembléia Legislativa. Eles estiveram em Surumu na quinta-feira.
 

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