De Povos Indígenas no Brasil
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Pacaraima respira ares venezuelanos e é a favor da permanência dos não-índios na Raposa/Serra do Sol

27/08/2008

Autor: Carolina Juliano

Fonte: Uol Notícias - noticias.uol.com.br




Pacaraima não é assim um lugar que identificamos como cidade logo de cara. Distante cerca de 250 quilômetros da capital de Roraima, Boa Vista, a cidade que é governada pelo empresário arrozeiro e líder da resistência à demarcação das terras da Raposa Terra do Sol, Paulo César Quartiero, não tem igreja, nem praça. Começa no terminal rodoviário que fica na margem direita da BR-174, e termina pouco mais de 500 metros acima, na fiscalização aduaneira brasileira, a 2 km apenas da divisa com a Venezuela.

Com cerca de 6.000 habitantes, a cidade cresceu às margens da rodovia. Mas não muito. Pacaraima se resume a uma dúzia de ruas esburacadas e mal iluminadas. A população vive do comércio, que recebe diariamente vários ônibus de turistas vindos da Venezuela em busca de bugigangas brasileiras, que vão de camisas de clubes de futebol a sandálias havaianas.

O trecho da BR de cerca de um quilômetro que corta a cidade serve de avenida principal. Ali, além de caminhoneiros à espera de cargas para transportar para o país vizinho, amontoam-se motoristas de táxis com carros velhos. "Numa cidade desse tamanho somos cerca de 90 táxis, acredita?", conta Eudo Bezerra de Alencar, um cearense de 28 anos, que há oito vive da profissão em Pacaraima. "Aqui não falta trabalho, temos corrida para todo lado porque somos praticamente o único meio de transporte."

De fato, os taxistas de Pacaraima topam tudo. Fazem viagens diárias à capital Boa Vista, levam índios ou jornalistas a Surumu, aventuram-se pela Venezuela. "Eu não troco Pacaraima por nenhum lugar", diz Eudo. "Aqui temos trabalho e espero que o município não desapareça aí com essa história da Raposa."

Eudo está tão ou até mais informado do que o restante de população de Roraima sobre o conflito que envolve índios e não-índios na Terra Indígena Raposa/Serra do Sol. Ele diz falar em nome da cidade quando começa a defender a permanência dos não-índios na região. "Pelo menos todo mundo que conheço é a favor de que fiquem ali os arrozeiros. Aquilo é muita terra e os índios não fazem nada ali, deixa ficar quem produz", diz.

O comércio de Pacaraima está concentrado em uma rua. É a chamada, redundantemente, de "rua do comércio". Ali, algumas dezenas de lojinhas e tendas de lona vendem redes, camisas de times de futebol e uma infinidade de artigos de artesanato que, segundo os vendedores, os venezuelanos adoram. "Escreve 'Brasil' numa folha de árvore que eles compram", conta Eudo.

Pela rua do comércio a língua que se ouve é o espanhol e o que se vê são picapes importadas com placas da Venezuela. Qualquer um se assusta quando pára num mercadinho para perguntar o preço do pacote de bolacha e o vendedor diz "cinco mil". Os preços em Pacaraima estão em bolívar, a moeda venezuelana. No câmbio local, um real compra dois mil bolívares. O pacote de bolacha, portanto, custa R$ 2,50.

Além de se ouvir o castelhano pelas ruas e sentir a presença venezuelana pelos carros estacionados, é possível notar também que do lado de cá da fronteira os brasileiros são muito receptivos aos vizinhos governados por Hugo Chávez. Logo após a fiscalização aduaneira brasileira, uma das maiores lojas de artesanato da cidade, a Meu Garoto, pintou na parede uma enorme bandeira da Venezuela ao lado da do Brasil com os dizeres: "Bem vindo Brasil x Venezuela".

Mas este ar amigável passa longe dos soldados da Guarda Nacional venezuelana que controlam as fronteiras do país. Ao sair de Pacaraima em direção a Santa Helena, a apenas 12 km dali, passamos por quatro postos de fiscalização. Dois do Brasil (um da Receita Federal e outro da Polícia Federal, Ibama e Anvisa), e depois por dois postos venezuelanos.

No primeiro eles deveriam verificar o passaporte do viajante e a carteira internacional de vacinação - é obrigatória a vacina contra febre amarela para entrar na Venezuela. Mas os agentes trocam essas preocupações por uma inspeção rápida no porta-malas do táxi, a procura de algum contrabando. Um quilômetro à frente, a última fiscalização. Ali, soldados armados fazem barricadas na estrada e param o motorista à procura principalmente de galões com combustível. Vasculham também o banco traseiro, pedem para o passageiro descer e abrem malas, quando há.

Se o tanque de combustível do carro está vazio, anotam a placa do veículo e, na volta, apreendem o combustível caso o marcador do tanque tenha mudado. "Mas como em qualquer outro lugar, a gente oferece R$ 10 para eles e consegue passa", relata o nosso taxista.

Por causa do contrabando de combustível, Brasil e Venezuela construíram entre os postos de fiscalização dos dois países, o chamado posto internacional. Ali se vende combustível venezuelano a quase a metade do preço do que é comercializado no Estado de Roraima. "Pagamos em Pacaraima R$ 2,70 o litro de gasolina, neste posto vendem a R$ 1,70", conta Eudo.

Mesmo assim, é ainda muito mais caro do que o combustível comercializado na Venezuela. "Quando não havia fiscalização, comprávamos gasolina a dez centavos o litro. Agora só conseguimos se for na clandestinidade. Há muito, mas é arriscado", diz o taxista.

No lado de lá da fronteira, a primeira cidade é Santa Helena. Visivelmente maior que Pacaraima, o pequeno povoado venezuelano é uma zona de livre comércio, o que atrai para ali muitos turistas. Há muitas lojas com bugigangas chinesas à venda. "Nós, em Pacaraima, estamos sempre preocupados com a relação entre o Brasil e a Venezuela. Qualquer problema entre esses países afetaria diretamente a nossa cidade, dependemos muito deles", conta Eudo. "Assim como dependemos dos empresários arrozeiros que produzem nas terras que o governo quer dar aos índios. Aqui em Pacaraima somos todos revoltados com (o presidente) Lula por causa disso.

O empresário e prefeito Paulo César Quartiero entoa o mesmo discurso. Diz temer ficar duas vezes desempregado caso o STF decida pela demarcação contínua da Raposa Serra do Sol. Primeiro que o seu município, segundo ele, pode desaparecer do mapa (e aí ele perde o emprego de prefeito) e segundo porque terá de deixar de produzir nas suas terras, que estão nas dependências da reserva indígena, e também não terá mais emprego como empresário.

Como bom eleitor, Eudo concorda com tudo o que Quartiero diz. "Paulo César é um homem de bem, para prefeito acho que não vai ganhar, a população daqui não o aprova como político, mas gosta dele como pessoa, é um homem trabalhador e que faz muito por esse povo. Eu o admiro muito", conclui esse pacaraimense de coração.
 

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