De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias

Nietzsche e o medo da Raposa

13/09/2008

Autor: Jaime Brasil Filho *

Fonte: Folha de Boa Vista - www.folhabv.com.br



O medo sempre foi uma grande arma. Quando sentido individualmente o medo encarcera, suprime, represa a potencialidade do ser - humano. Faz com que os mais belos sonhos pareçam distantes e até inalcançáveis, levando à inação, ao recolhimento solitário, à ansiedade, à depressão.

Há o medo da morte, o medo da vida; o medo da dúvida, o medo da dívida; o medo de ser, o medo de ser só.

O filósofo Espinosa apontava que a maioria das superstições inventadas por cada um de nós vem de um inconfessável medo "místico", de um insondável "castigo divino", que faz com que repitamos rituais absurdos apenas para não "alterar a ordem das coisas", é como imaginarmos que se não for executada determinada "mania", o céu nos castigará.

Às vezes o medo é um instrumento do Estado, dos poderosos que o controlam. Todas as ditaduras, todas as tiranias, sem exceção, se utilizaram do medo como arma de sustentação política, como justificativa para subtrair direitos e liberdades de seus cidadãos e para realizar ações injustas.

George W. Bush é um ótimo exemplo, se utilizou do atentado de 11 de setembro para incutir medo em seus cidadãos, deixando-os anestesiados diante de uma hipotética, porém iminente e sempre presente ameaça de novo ataque. Dessa maneira Bush se reelegeu, com esse artifício tolheu direitos civis até então intocáveis por meio do chamado "Decreto Patriótico".

No Brasil, Lula se reelegeu com o apoio dos grandes banqueiros e empresários e com o medo que as populações mais carentes nutriram de perder seus benefícios assistenciais, a exemplo das migalhas do Bolsa-Família. Aliás, o governo Lula deveria ser premiado pelos conservadores do Brasil e do mundo, eis que foi o único governo de "esquerda" da história em que os movimentos sociais se desagregaram e se desarticularam, em vez de se fortalecerem.

Nietzsche, o grande filósofo alemão dizia:

"Digo que os alemães tiveram de recorrer aos meios mais atrozes para lograrem uma memória, que os fizesse senhores dos seus instintos fundamentais, dos seus instintos plebeus e animalistas. Recordem-se os antigos castigos da Alemanha, entre outros a lapidação (já a lenda fazia cair a pedra do moinho sobre a cabeça do criminoso), a roda (invenção germânica), o suplício da força, o esmagamento sob os pés dos cavalos, o emprego de azeite ou do vinho para cozer o condenado (isto ainda no século XIV e no século XV), o arrancar os peitos, o expor o malfeitor untado de mel sob um sol ardente às picadas das moscas." (A Genealogia da Moral, Nietzsche)

Ou seja, o povo alemão se tornou dócil e obediente às leis, e normas em geral, não por nobre consciência, mas sim pelo medo da crueldade com que o Estado punia os seus infratores.

Hoje, o povo de Roraima vive com medo, um medo ideológico, não oficial, mas que permeia o discurso de muitos representantes do poder estatal. Esse medo foi inventado por alguns ideólogos não reconhecidos, já que vários textos disponíveis são apócrifos. Tais discursos são repetidos por personagens públicas bastante conhecidas, sendo, por fim, propagados por grande parte da mídia local, incauta e obediente aos seus "financiadores".

Mas, medo de quê? De que a Raposa - Serra do Sol seja uma área respeitada ambientalmente e sejam protegidas as nascentes do Rio Branco que ficam a leste e a nordeste? Medo de que os arrozeiros deixem de auferir seus lucros, sendo que tal atividade, além dos danos ambientais que provoca, não distribui renda e praticamente não gera riqueza para Roraima?

Ressalte-se que toda a agropecuária de Roraima, somando-se aí a produção de arroz, feijão, banana, soja, carne, ou seja, tudo, não passa de 4% do PIB do nosso Estado.

Qual o temor? De que estrangeiros invadam Roraima, enquanto operações e treinamentos militares oficiais são feitos em conjunto entre o Brasil e o tal país potencialmente invasor?

Onde está a coerência do discurso daqueles que se dizem defensores da Amazônia e se calam quando privatizam o seu subsolo, a exemplo da privatização da então Vale do Rio Doce? O que dirão quando for votado o projeto de lei que busca permitir a mineração em área indígena pelas grandes empresas mineradoras?

Quem contesta a propriedade de milhares de hectares nas mãos de estrangeiros em Roraima, tudo adquirido oficialmente e com toda a tranqüilidade? Onde estão os defensores da Amazônia?

É preciso mesmo romper o medo, e ter coragem para se livrar da ignorância, da ausência do senso crítico, da manipulação de idéias que buscam beneficiar somente aos que possuem dinheiro e poder.

É preciso ter coragem pra identificar aqueles que amam mais o dinheiro do que o seu povo e a terra em que vivem. É necessário ousar para desconfiar daqueles que vivem das aparências de seus cargos e postos de mando e que morrem de medo de se olhar no espelho e de sua nudez, com receio de descobrirem como realmente são.

"Agora, vou ser imoral, agora

Hei de mostrar como as coisas são,

Não como devem ser - já está na hora.

Sem saber que é o que é, de fato, não

Se avança ou progride na melhora

Daquele arado que mal roça o chão

Da marga negra estercada com vício

Só pra manter do preço o benefício."

(Fragmentos de Don Juan, Byron)

* Defensor Público
 

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