De Povos Indígenas no Brasil
A versão imprimível não é mais suportada e pode ter erros de renderização. Atualize os favoritos do seu navegador e use a função de impressão padrão do navegador.

Notícias

Raposa Serra do Sol: uma questão nacional

20/01/2009

Autor: Rodrigo Jorge Moraes

Fonte: EXPRESSO DA NOTÍCIA



Em 10 de dezembro passado, o Supremo Tribunal Federal sinalizou posicionamento em um dos julgamentos mais importantes de sua história ao tratar da questão envolvendo a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Desde junho de 2007 o Supremo já havia determinado a desocupação da referida área pelos não-índios, motivo pelo qual, em março de 2008, a Polícia Federal desencadeou a Operação Upatakon, que não logrou total êxito diante da forte e violenta resistência, notadamente, dos arrozeiros lá instalados. A Raposa Serra do Sol constitui uma imensa porção de terra demarcada de forma contínua no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso e homologada, em 2005, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva¹. Com cerca de 1,8 milhão de hectares e 20 mil silvícolas, encontra-se
localizada no estado de Roraima e faz fronteira com a Venezuela e a Guiana. Contudo, há muitos anos, parte destas terras foi ocupada, herdada, negociada e cultivada por não-índios. Mais recentemente, a partir da década de 1970, chegaram os arrozeiros que lutam para permanecer no local, fato este causador de grande instabilidade social, política e econômica na região, que motivou a propositura de ação em que foram questionados os princípios da legalidade, do devido processo legal, da segurança jurídica, da livre iniciativa e do pacto federativo, entre outros pontos mais. A questão está praticamente decidida pelo STF. Isto porque oito, dos onze Ministros do Supremo Tribunal Federal, votaram favoravelmente a demarcação contínua da reserva indígena. Contudo, houve pedido de vista do Ministro Marco Aurélio, motivo pelo qual a questão somente deverá ser definitivamente resolvida dentro de dois meses. Entretanto, diante dos
votos já externados, dificilmente haverá surpresas ou alterações no entendimento já firmado pelos Ministros votantes. Como se sabe, a história dos povos indígenas se confunde com a própria história do Brasil. Em relação à legislação nacional, tem-se registro da Lei de 30 de julho de 1609, a qual dispunha que os índios eram pessoas livres e protegidas pelos jesuítas. Estes possuíam até mesmo o poder de retirá-los de suas terras, das florestas para alocá-los em aldeamentos. Contudo, temse como marco legislativo inicial o alvará régio de 1º de abril de 1680, que determinou respeito às terras indígenas na colônia, norma esta ampliada para todo território nacional em 1758.² Anos se passaram e surgiram novas regras, a exemplo, a Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras do Império); o decreto nº 736 de 06 de abril de 1936, que criou o Serviço de Proteção ao Índio; a Lei nº 5.371 de 05 de dezembro de 1967, que autorizou a criação da FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI; e o Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/73). Entretanto, foi com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que os índios receberam tutela constitucional diferenciada, na exata medida em que o legislador originário reservou-lhes capítulo especial, reconhecendo-lhes sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas, competências da União para demarcá-las, natureza jurídica e, destacadamente, seus limites.³ Contudo, em que pese tais disposições
constitucionais e infraconstitucionais, a questão indígena no país manteve-se longe da pretendida normalidade. Agora, ao que parece, está perto de ser solucionada por força do posicionamento do STF. Neste sentido, pode-se dizer que os votos dos Ministros seguiram trilhas muito semelhantes, mas, entre eles, destacou-se o voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, o qual, especialmente diante das disposições constitucionais, externou seu voto condicionando ou balizando seu posicionamento em dezoito condições a serem obedecidas pela população indígena. São elas:
1 - O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes
nas terras indígenas pode ser suplantado de maneira genérica, sempre
que houver, como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição
Federal), o interesse público da União na forma de Lei Complementar;
2 - O usufruto dos índios não abrange a exploração de recursos
hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização
do Congresso Nacional;
3 - O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra de recursos
naturais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;
4 - O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação.
Dependendo do caso, será obtida a permissão da lavra garimpeira;
5 - O usufruto dos índios fica condicionado ao interesse da Política
de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares
e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha
viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico
e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos
competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional)
serão implantados, independentemente de consulta a
comunidades indígenas envolvidas e à FUNAI;
6 - A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena,
no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará
independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à
FUNAI;
7 - O usufruto dos índios não impede a instalação, pela União Federal,
de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de
transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços
públicos pela União, especialmente os de saúde e de
educação;
8 - O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação
fica restrito ao ingresso, trânsito e permanência, bem como caça,
pesca e extrativismo vegetal, tudo nos períodos, temporadas e
condições estipuladas pela administração da unidade de conservação,
que ficará sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade;
9 - O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
responderá pela administração da área de unidade de conservação,
também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades
indígenas da área, em caráter apenas opinativo, levando em conta as
tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a
consultoria da FUNAI;
10 - O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser
admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e
condições estipulados pela administração;
11 - Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de
não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as
condições estabelecidas pela FUNAI;
12 - O ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser
objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer
natureza por parte das comunidades indígenas;
13 - A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não
poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas,
equipamentos públicos, linhas de transmissão de
energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a
serviço do público, tenham eles sido excluídos expressamente da
homologação ou não;
14 - As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de
qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da
posse direta pela comunidade jurídica ou pelos silvícolas;
15 - É vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos
grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou
coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;
16 - Os bens do patrimônio indígena, isto é, as terras pertencentes ao
domínio dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das
riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas,
observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da
Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena
isenção tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas
ou contribuições sobre uns e outros;
17 - É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;
18 - Os direitos dos índios relacionados às suas terras são
imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis.
Desta forma, nos parece que a questão da demarcação e dos limites de
uso de terras indígenas no Brasil encontrou no Supremo Tribunal
Federal o fiel da balança ao colocar termo em anos de embates travados
dentro e fora dos Tribunais.
*Rodrigo Jorge Moraes, advogado, é sócio do escritório Azevedo, Moraes
Advogados Associados, especialista em Direito Ambiental pela USP,
professor do Curso de Especialização em Direito Ambiental do COGEAE -
PUC-SP, e co-Autor da obra "As Leis Federais Mais
Importantes de proteção ao Meio Ambiente Comentadas" (Editora Renovar).
_________________________________________
¹Portaria nº 534, de 15 de abril de 2005.
²Alacir Gursen de Miranda, O direito agrário na constituição, Barroso.
Lucas Abreu, Miranda.
Alacir Gursen de, Soares. Mário Lúcio Quintão (Org.), Rio de Janeiro :
Forense, 2005, p. 330.
³Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários
sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º - São
terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em
caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto
exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos,
incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas
minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização
do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes
assegurada participação nos resultados da lavra, na forma
da lei. § 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e
indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5º - É
vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad
referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia
que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do
País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer
hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º - São nulos
e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por
objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere
este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e
dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da
União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade
e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo,
na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa
fé. § 7º - Não se aplica às terras indígenas o
disposto no art. 174, § 3º e § 4º. Art. 232. Os índios, suas
comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em
juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o
Ministério Público em todos os atos do processo.
 

As notícias publicadas no site Povos Indígenas no Brasil são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos .Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.