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Meninos indígenas viram 'homens guerreiros' em Ritual da Tucandeira, no Amazonas

26/11/2011

Autor: Elaíze Farias

Fonte: A Crítica (AM) - http://acritica.uol.com.br/



Comunidade indígena realiza durante três dias uma programação especialmente dedicada ao fascinante rito de iniciação dos sateré-mawé


"A tucandeira é mulher. Se um menino começa, outros também são atraídos e querem se deixar ferrar", diz Baku, 58, tuxaua da aldeia Sahuapé, onde vivem 14 famílias indígenas da etnia sateré-mawé, localizada à beira do rio Ariaú, município de Iranduba, na Região Metropolitana de Manaus.

A "atração" pela tucandeira é realmente surpreendente. Quem é capaz de enfiar as mãos em uma luva com 200 formigas agitadas cujo veneno do temido ferrão causa calafrios, inchaços nos membros e dores que duram até 24 horas?

A resposta é: os meninos sateré-mawé (e algumas meninas também) são capazes. Mas também visitantes e vizinhos não-indígenas da comunidade. "A gente não pode discriminar. Se alguém quiser e tem coragem, pode participar", diz Baku.

Mas o atrevimento nem sempre vai até o fim. No final das contas, apenas os meninos sateré-mawé, que precisam provar valentia e alcançar o status de guerreiro em sua comunidade e entre seus parentes, é que conseguem completar o ritual de no mínimo 20 vezes ao longo da vida.


Raízes

Embora distante da sua aldeia de origem, em Ponta Alegre, na região do baixo rio Amazonas (AM), a família da matriarca Baku nunca deixou de ressignificar em uma "terra estranha" as suas raízes culturais e étnicas e, sobretudo, de realizar periodicamente seu principal rito de passagem: o Ritual da tucandeira.

Sequer o fato de Baku seguir a Igreja Adventista atrapalha. A tuxaua consegue conciliar a doutrina evangélica que segue com as crenças em entidades e espíritos que, segundo ela, protegem a comunidade.

No calendário de atividades da família de Baku (nome sateré-mawé de um peixe do fundo do igarapé, sem tradução em português), o principal evento da comunidade Sahuapé (casco de tatu na língua original da etnia) é o Encontro dos Guerreiros Sateré-Mawé, que acontece sempre no mês de novembro.

"A gente decidiu fazer esse encontro para que nossa cultura nunca seja esquecida pelos mais novos e para que os meninos tenham a oportunidade de provar que podem ser guerreiros, mesmo morando distante da aldeia de nossos antepassados", diz Sahu, filho de Baku, e um dos principais porta-vozes da comunidade.


Visitantes

O encontro deste ano começou nesta sexta-feira (25) e vai até o domingo (27). A família de Baku estima a participação de, no mínimo, 25 meninos "ferrantes". Há expectativa de que meninas também mostrem interesse.

Nesta sexta-feira, uma dessas meninas, embora não-indígena, fez sua segunda sessão do ritual. Vandercléia Brasil, de 13 anos, foi a última do grupo de quatro "ferrantes" a se submeter na tarde do primeiro dia do encontro.

"Desde que passei a vir aqui na comunidade me deu vontade. Fiz uma vez e agora tenho que ir até o fim. Quero mostrar que as meninas agüentam dor, são valentes e guerreiras", diz Vandercléia, moradora de uma vila vizinha à comunidade Sahuapé.

Entre não-indígenas que já se submeteram ao ritual estão vizinhos curiosos, turistas e pesquisadores. "A gente recebeu a ligação de um médico. Ele disse que sonhou que precisaria levar uma ferroada de formiga para ficar bom de uma doença e encontrou em contato conosco", conta Sahu.


Restrições

Entre os meninos, a maioria deles já passou das 10 sessões. Um deles é Anehú, de 11 anos. "A gente faz o ritual para ser guerreiro. Não quero ficar como menino medroso", diz ele.

Watetê, de 16 anos, quer chegar a 20 sessões para "ser admirado pelas mulheres" e ter habilidades na pesca e na caça. "A gente tem que mostrar que tem coragem", relata, Watetê.

O menino que planeja se submeter ao ritual da Tucandeira tem que passar por restrições alimentares com um mês de antecedência. Comida gordurosa está descartada. Peixe também não é recomendado porque ele "pode encantar" e causar doença no menino.

Estão liberados apenas "animais de caça", como paca e guariba, espécie de primata. "Quem come guariba fica com a voz boa para cantar no ritual", diz Baku.

Após as ferroadas, de mãos inchadas, os meninos aliviam a dor tomando o tarubá (bebida fermentada de mandioca) e guaraná puro.


Doenças

Quarenta e oito é a quantidade de vezes que Benedito Carvalho de Freitas, 60 anos, índio sateré-mawé, se submeteu ao ritual da tucandeira.

Nascido na aldeia Ponta Alegre, Benedito, cujo nome em sateré-mawé é Acey (velho) , diz que nunca precisou ir ao médico. A única enfermidade que tem é "um mal jeito nas costas" quando carrega muito peso.

Hoje, Acey não se deixa mais ferroar com a picada da tucandeira. Ele é o responsável pela cantoria enquanto os meninos ficam 10, 15, 20 minutos ou o tempo que preferir, com as mãos enfiadas na luva cheia de formigas. Marido de Baku, Acey diz que lamenta o fato da esposa nunca ter se submetido ao ritual.

"Um dia desse a Baku estava doente. Ela disse que deveria ter feito o ritual da tucandeira quando era mais nova para não se adoentar", conta Benedito, que não se importa em que as meninas também passem a se interessar em participar de um ritual que, originalmente, é exclusivamente masculino. "Elas querem mostrar que também têm coragem", diz.

Acey é o responsável pela cantoria e pela dança. É ele que incentiva os meninos a dançarem após a picada da formiga para que a dor diminua com o suor que sai do corpo dos garotos.

"Não há remédio que faz passar a dor. Tem apenas que dançar para que o corpo fique o tempo todo quente", conta Moytwator (cobra-grande), genro de Acey e Baku.


Farmácia Indígena

Carcaça de jacaré, de boto e de arara para defumar e expulsar quebranto. Ungüentos, raízes, cascas, guaraná, ossos para doenças diversas: inflamação do fígado, reumatismo, derrame, dor de cabeça, pedra na vesícula. Até mesmo o famoso "viagra indígena" (miratinga, uma raiz em forma de pênis humano).

Tudo isto preparado pela própria dona Baku em sua farmácia, ou Cunã em língua sateré-mawé. "Ninguém me ensinou. Isso já brotou em mim. Minha mãe não sabia fazer esses preparos. Das minhas irmãs, só eu. Desde criança as entidades me acompanham. Eu ouço o que eles dizem e vou fazendo os remédios", diz Baku.

Raízes e cascas são retiradas da horta da comunidade, mas também da floresta ao redor. "Sou eu mesma que escolho as plantas. Sei para que cada uma delas serve, de curas para doenças até banho de descarrego e para chamar sorte", diz.

Alguns produtos encontrados pela reportagem na farmácia da comunidade Sahuapé são secretos. Ela não fala a origem. "Não posso fazer isso, ainda mais aqui com vocês, fazendo reportagem. As entidades não gostam disso", conta.

Construída em cima "de um buraco", como ela faz questão de frisar, a farmácia tem duas pedras de origem misteriosa. Em uma delas, menor, Baku faz o fogo onde prepara os produtos. O fogo está sempre com cinza. A outra pedra é um enorme bloco "coroado" por uma raiz que a rodeia.

É nas proximidades da pedra onde costuma aparecer o "vovozinho" (espécie de espírito da floresta) para dona Baku ou demais pessoas.

"É um índio alto, que a gente nunca vê o rosto, que aparece e desaparece. Às vezes eu tenho medo, mas acho que ele está aqui para proteger a aldeia", diz.


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