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'Nossos netos não vão derramar sangue por essa luta', diz cacique

02/05/2012

Autor: Lilian Marques

Fonte: G1 - http://g1.globo.com



Índios comemoram vitória com ritual tradicional chamado de 'Tôro'.
Fazendeira diz que STF chancelou a violência que foi praticada pelos índios.


Índios da tribo Pataxó Hã Hã Hãe, no município de Pau Brasil, no sul da Bahia, comemoram a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada nesta quarta-feira (2), que determina a nulidade de títulos de propriedades de áreas particulares que estejam dentro dos 54 mil hectares da reserva Caramuru Catarina-Paraguaçu, localizada na região.

Durante o ritual de canto e dança chamado "torô", na noite desta quarta, o cacique Nailton Muniz Pataxó conversou com o G1 e disse que a tribo está satisfeita com a decisão e que acompanhou o julgamento pelo telefone, já que ele e cerca de 130 índios da tribo estão na fazenda Baixa Alegre, em Pau Brasil, uma das ocupadas desde o início de 2012.

"Estamos em ritual comemorando. A gente tinha essa firmeza de que esse momento ia chegar e que seríamos vitoriosos. Na nossa religião a gente tinha a informação de que não poderia perder essa casa [terra], porque é uma terra demarcada e território memorial dos Pataxós Hã Hã Hãe. Agora vamos trabalhar com mais alegria, com mais condições de se organizar, o importante é que a gente esteja seguro. Agora, temos certeza de que nossos filhos e netos não vão precisar derramar sangue por essa luta. Meu coração está feliz. Tenho certeza que existe um plano para desenvolver essas terras, essa bacia leiteira, se o governo investir vamos fazer dela um grande cacho. Sabemos como botar esse movimento para frente", afirmou.

O chefe da coordenação técnica local da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Pau Brasil, Wilson de Jesus, disse que foi surpreendido pela informação do julgamento da ação nesta quarta-feira. A previsão era que o julgamento ocorresse no dia 9 de maio, mas o STF mudou a pauta e começou a julgar a ação de nulidade das terras nesta tarde. Wilson acompanhou o julgamento pela televisão. "Fiquei sabendo pela televisão. A gente nunca teve dúvida de que a terra é indígena, não havia brecha para dizer que o território não era indígena. Todas as comunidades indígenas [da região] já foram comunicadas. Quando tive a informação do julgamento, boa parte da comunidade estava na escola. Paramos as aulas e fomos assistir ao julgamento. Agora vamos aguardar uma comissão que vai fazer avaliação nas fazendas. Queremos acalmar os índios e que os fazendeiros fiquem afastados da região até o assentamento das terras", disse Wilson de Jesus.


Fazendeiros

Para a produtora rural e também membro do Sindicato dos Produtores Rurais de Pau Brasil, Cleile Marta, os ministros do STF julgaram a ação de nulidade das terras sem conhecimento técnico do processo. Ela era dona da Fazenda Santa Maria, na região de Mundo Novo, em Pau Brasil. Marta disse ao G1 que ela e a família ainda estão assimilando a decisão e que ainda não decidiram o que vão fazer a partir de agora. Na propriedade rural dela, antes da ocupação indígena, era feito o cultivo de cacau e atividade pecuária.

"Eles [os ministros] deviam visionar, deviam julgar a questão tecnicamente. Esse foi um dos maiores erros que o STF já cometeu. Esse processo vai desencadear uma série de problemas, não tem como dimensionar a insegurança jurídica que o Supremo colocou as pessoas que acreditavam na Justiça. Meu sentimento é de extrema tristeza, eles [os ministros] veem o índio como se fosse há 500 anos. Eles não enxergam que as pessoas envolvidas nessa ação são pessoas que matam. Para mim, o STF chancelou a violência que já foi praticada pelos índios contra os produtores rurais e as que ainda irão acontecer. Foi muito triste eles [ministros] minimizarem as vidas das pessoas em poucos minutos. Minimizar uma região produtiva. Fizeram a gente pagar a conta de um processo de colonização de 500 anos atrás. Essa conta não é nossa", afirmou a produtora rural Cleile Marta.


Decisão

Por sete votos a um, o Supremo Tribunal Federal anulou títulos de propriedades de áreas particulares que estejam dentro dos 54 mil hectares da reserva Caramuru Catarina-Paraguaçu. O terreno foi demarcado entre 1926 e 1938, mas nunca foi homologado.

A decisão permite a manutenção de indígenas Pataxós Hã Hã Hãe em terras de fazendas que estão dentro da reserva, no sul do estado da Bahia. A ação foi protocolada pela Funai há 30 anos, e o julgamento só foi concluído nesta quarta-feira (2). Em 2008, o ministro Eros Grau - então relator, hoje aposentado - votou de forma favorável à declaração de nulidade dos títulos.

O resultado do julgamento não prevê a expulsão imediata dos não-índios da região, apenas a anulação dos títulos. Também não houve decisão acerca da possibilidade de indenização aos produtores que vivem na região e que terão de deixar a terra - ambos os temas devem ficar a cargo da União, com a execução da sentença sendo acompanhada pelo ministro Luiz Fux.

O ministro Carlos Ayres Britto, no entanto, disse que, em tese, as indenizações só poderiam se referir a benfeitorias produzidas pelos moradores da região, e não às propriedades. "Nós estamos afirmando: determinada área do território é indígena. As propriedades tituladas, em parte, estão dentro desta área indígena. Sobre estes títulos, referentes a propriedades situadas na área indígena, recai a direta declaração de nulidade", explicou o presidente do tribunal, ministro Carlos Ayres Britto.


Lágrimas e sangue

A ação só voltou agora a julgamento por insistência da ministra Cármen Lúcia. Ela pediu, no começo de abril deste ano, a inclusão com urgência do processo na pauta do Supremo, o que não ocorreu.

Um novo pedido foi feito nesta quarta-feira (2). A ministra lembrou do agravamento dos conflitos entre índios e fazendeiros na região. "São volumes de lágrimas, sangue e mortes", alegou. Com a concordância dos demais ministros - exceção feita ao ministro Marco Aurélio Mello, que se queixou do acréscimo do tema "de surpresa" - a ação foi incluída na pauta.

Cármen Lúcia concordou com o entendimento de Eros Grau, e defendeu a anulação da propriedade de 186 áreas, que afetam três municípios: Itaju do Colônia, Pau Brasil e Camacã. "Julgo procedente a ação, acompanhando o relator, para declarar a nulidade dos títulos de propriedade referentes a imóveis no interior da área demarcada e comprovada nessa ação, totalizando 54 mil hectares", votou a ministra.

A ministra discordou de argumentos de que os índios tenham abandonado a região. "Há de se reconhecer afastamento de algumas áreas, mas eles nunca abandonaram a região e as violências contra eles teriam conduzido este afastamento", afirmou a ministra.

A concordância com o voto da ministra foi quase unânime em relação à anulação dos títulos de áreas incluídas na reserva: o ministro Marco Aurélio Mello foi o único voto contrário. "Não posso colocar em segundo plano os inúmeros títulos formalizados tendo como partes da relação jurídica que se mostrou harmônica, formalizados pelo estado da Bahia com os particulares. Confiaram os particulares no estado da Bahia e adentraram a área que não era ocupada por indígenas e passaram a explorar essas áreas", afirmou o ministro.



http://g1.globo.com/bahia/noticia/2012/05/nossos-netos-nao-vao-derramar-sangue-por-essa-luta-diz-cacique.html
 

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