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Um prefeito indígena

15/10/2004

Autor: Elaíze Farias

Fonte: Diário do Amazônas-Manaus-AM



O baixo Amazonas é uma das localidades com maior número de indígenas do Estado. A maioria deles pertencente ao povo sateré-mawé. A etnia tem quase 12 mil indígenas, cerca de quatro mil somente no município de Barreirinha. Os demais vivem nas zonas rurais e urbanas de Parintins e Maués.

Vem do povo sateré-mawé o primeiro prefeito indígena do Estado do Amazonas. Mecias Pereira Batista, eleito no último dia 3 prefeito de Barreirinha.

A eleição de Mecias representa um das maiores conquistas dos povos indígenas e particularmente dos sateré-mawé, mas a singularidade de sua eleição demonstra o quanto estamos atrasados em matéria de representatividade indígena, seja no executivo, seja nos parlamentos municipal, estadual e federal.

O único deputado federal representante dos povos indígenas foi Mario Juruna, cacique xavante morto ano passado. Até hoje, nenhuma outra liderança indígena tem conseguido eleger representantes para o parlamento federal.

Nos últimos anos, podemos registrar alguns avanços importantes para a questão indígena, mas a carência de uma base parlamentar que lhe represente ainda é a principal lacuna do movimento.

As propostas da bancada amazônica no Parlamento nunca foram além da chamada política integracionista, para "adequar" os indígenas na esfera nacional. Tem sido constantes os projetos que tentam "adaptar" vários dispositivos constitucionais que garantem direitos indígenas - como demarcação e homologação, proibição de exploração de minérios nas terras indígenas, saúde digna e educação diferenciada.

No artigo "Os índios e o novo Congresso Nacional", do livro "Além da Tutela", organizado pelo antropólogo Antonio Carlos de Souza Lima e Maria Barroso-Hoffman, a pesquisadora

Adriana Ramos faz um quadro lastimável da atuação parlamentar em relação à questão indígena.

Segundo Adriana a falta de assistência aos povos indígenas e a inadimplência do governo com a política indigenista tem sido a tônica dos últimos governos. Para ela, o que se vê é "uma contradição entre um discurso padrão de garantia dos direitos indígenas e indicativos claros do não-reconhecimento desses direitos, alem de uma forte dose de preconceito, evidenciada em menções que estabelecem uma ordem de prioridade na qual os povos indígenas estão em posição hierárquica inferior, tendo seus interesses secundados em detrimento de outros".

Nos últimos anos, novas perspectivas para a problemática indígena foram estabelecidas na realidade amazônica. Todas elas combatendo as políticas paternalistas e compensatórias que as administrações passadas tentavam implementar no país.

O processo vem sendo trabalhado há algumas décadas - e intensificou-se com o crescimento das organizações nos últimos anos - mas finalmente o país percebeu que os indígenas também são cidadãos brasileiros, com deveres, direitos e, principalmente, com necessidades de projetos específicos.

Os indígenas querem uma participação nos diálogos dos grandes problemas nacionais que fujam da formalidade; que não sejam apenas decorativos e vistos como atrativos exóticos nos grandes eventos. Reconhecem-se como sujeitos políticos, como cidadãos, que fazem parte da construção da identidade nacional.

Ainda não podemos dizer que um novo horizonte político se abre com a eleição de Mecias, porque a resistência à sua eleição ainda vigora e não são poucos os políticos mais conservadores a se manifestar contra a "atuação de índios".

Mas sua eleição é um indicador de que começam a ser estabelecidas novas relações e uma tentativa de diálogo entre o Estado (e suas esferas públicas) com os povos indígenas brasileiros.

Só o tempo - e o exercício de Mecias - dirá qual vai ser o grau de (boa) repercussão de sua vitória para prefeito. No segmento indígena a esperança é expressiva, com a chegada de novos interlocutores na cena política local.

Mecias não vai administrar somente para os sareré-mawé, evidentemente. Barreirinha deve ter lá seus problemas característicos de uma cidade cujo projeto de urbanização é típico do interior do Estado. Mas certamente sua administração terá uma participação mais direta das comunidades indígenas de sua cidade na elaboração indígenas na elaboração de projetos sociais.

Como seguir um modelo de administração inspirada no "branco" sem cair em ciladas? O poder tem encantos avassaladores, muda a vida de pessoas que até ontem tinham uma postura ética inabalável.

Esse será um dos grandes desafios de Mecias. Não ficar desacreditado, nem ganhar a pecha estereotipada de outros indígenas que conquistaram um lugar no cobiçado posto de "político". Exercer uma nova forma de representação política é a esperança que indígenas, indigenistas e a população de Barreirinha cultivam em relação ao novo prefeito.]
 

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