De Povos Indígenas no Brasil
Notícias
Amazonas é grande Babel
02/05/2004
Fonte: A Crítica, Cidades, p. C7
Amazonas é grande Babel
Estudos apontam a existência de 160 línguas indígenas faladas no Estado, sendo 30 delas documentadas e outras 114 registradas. Algumas etnias do Alto Rio Negro chegam a falar entre três e cinco diferentes línguas
ANA CELIA OSSAME
DA EQUIPE DE A CRITICA
As línguas separam a humanidade desde os tempos mais remotos e a razão disso continua sendo uma incógnita. A explicação mais conhecida é a do livro bíblico do Gênesis, relatando que durante a construção da Torre de Babel, Deus teria confundido as vozes dos homens que freqüentemente se desentendiam.
Para quem procura uma versão atualizada da torre, o Amazonas é o cenário' mais perfeito. Embora a língua portuguesa seja majoritariamente falada, ao menos 160 línguas foram identificadas no Estado, tendo 30 uma boa documentação, 114 alguma forma de documentação e as demais sem nenhum registro. "É um campo fértil para quem estuda lingüística, mas o Amazonas sempre virou as costas para esse patrimônio", afirma Paulo Renan Gomes da Silva, professor doutor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), ao apontar a falta de interesse de estudiosos pelo tema.
Ele justifica o desinteresse com a falta de aceitação tanto da cultura quanto da língua indígena. Como exemplo, cita o fato de o Departamento:de Línguas: e Literatura da Ufam não ter um setor de estudo de lingüística. "0 estudo da língua indígena não é visto como tema importante, daí porque pouquíssimos pesquisadores, isoladamente, se debruçam sobre o tema", prossegue o professor. Um levantamento feito no início da década de 90 demonstrou a existência de apenas 12 doutoras no Brasil dedicando-se ao estudo das línguas indígenas e somente oito universidades com a presença dessas línguas em programas de pós-graduação.
Apesar de considerar normal o desaparecimento de línguas, Paulo Renan lamenta os esforços esporádicos de professores em estudá-las devido a riqueza da diversidade que representam. 0 País, segundo ele, é o maior em densidade lingüística no mundo, mas detém uma das mais baixas concentrações de população por língua. "Somos intolerantes com o falar diferente", observa ele, dizendo que esse sentimento é resultado da colonização que impôs a língua e a cultura dos brancos.
Um caso notável já apontado em estudos dá-se entre os povos indígenas do rio Negro, onde os homens costumam falar de três a cinco línguas ou até mais. Há casos de homens que dominam de oito a dez idiomas. Para esses índios, as línguas representam elementos para a constituição da identidade pessoal. Um homem, por exemplo, deve falar a mesma língua que seu pai, para com isso partilhar com ele o mesmo "grupo lingüístico", mas deve casar-se com uma mulher que fale uma língua diferente, ou seja, que pertença a um outro "grupo lingüístico".
LÍNGUAS
Dados de especialistas revelam que 234 línguas indígenas contemporâneas já desapareceram completamente. E as previsões para este século é que 90% das línguas faladas no mundo também venham a desaparecer. Mas um esforço para resgatar e fortalecer as línguas e a cultura indígena vem sendo feito há alguns anos pelo Ministério da Educação (MEC) com política educacional indígena para tentar preservar esse importante patrimônio.
BUSCA RÁPIDA
Multilíngües
Apesar do domínio da língua portuguesa, o Brasil é considerado um País multiIíngües: nele são aprendidas como maternas cerca de 200 línguas.
As pessoas que têm línguas maternas minoritárias no Brasil constituem apenas 0,5% da população total do País, cerca de 750 mil indivíduos. Deste contingente a maior parte, 60%, fala a que é a segunda língua do Brasil em termos demográficos - o japonês. Os 40% restantes, cerca de 300.000 mil, distribuem-se pelas outras línguas de minorias asiáticas (chinês, coreano, árabe, armênio, etc.) e européias (alemão, italiano, polonês, grego moderno, húngaro, ucraniano, idiche, lituano, etc.) e pelas línguas indígenas.
No País são 180 línguas
Existem hoje no Brasil cerca de 218 povos indígenas falando 180 línguas. Mais de vinte desses povos agora falam só o português, mas alguns passaram a falara língua de um povo indígena vizinho e dois, no Amapá falam o crioulo francês da Guiana.
A população total dos povos indígenas é agora de cerca de 190 mil pessoas, mas dessas só cerca de 160 mil falam as 180 línguas indígenas. Isto, segundo os estudiosos, revela a existência de uma média de menos de 900 falantes por língua. Como a distribuição é desigual, algumas dessas línguas são faladas por cerca de 20 mil pessoas ao passo que outras o são por menos de 20.
Do ponto de vista genético, que permite classificaras línguas em conjuntos com origem comum mais próxima ou mais remota, as 180 línguas indígenas brasileiras se distribuem por pouco mais de 40 conjuntos, a que se costuma dar o nome de famílias lingüísticas.
Dez destes constam hoje de uma só língua, a qual, por ser a única e não apresentar parentesco com as demais conhecidas, é também chamada de língua isolada.
O número de línguas nas outras famílias varia de duas a trinta. Este último é o número de línguas da família tupi-guarani no Brasil, que é a mais distribuída sobre nosso território, com línguas no Amapá e Norte do Pará e com outras no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com umas no litoral atlântico e outras em Rondônia, assim como nos principais afluentes meridionais do rio Amazonas, no Madeira, no Tapajós, no Xingu e também no Tocantins e Araguaia.
CURIOSIDADE
Uma das línguas indígenas brasileiras que têm o menor inventário de fonemas no mundo é a língua Pirahã fala-' da pelos povos indígenas habitantes dos afluentes do rio Madeira, no Amazonas. A língua tem apenas dez fonemas - seis consoantes, três vogais e o fricativo glotal. Estima-se que, no ano de 1500, quando os portugueses chegaram ao Brasil, passava de 1,3 mil o número de línguas faladas aqui, segundo o livro "O governo brasileiro e a educação", do Ministério da Educação (MEC), no período de 1995-2002. Atualmente, apenas nove línguas indígenas têm acima de 5 mil falantes: guajajara, sateré-maué, xavante, ianomâmi, terena, macuxi, caingangue, ticuna e guarani, estes últimos com 30 mil indivíduos. Cerca de 110 línguas contam com menos de 400 falantes.
PERFIL
Álvaro Tukano, ex-dirigente da Federação Indígena do Alto Rio Negro (FOIRN)
Álvaro Tukano, 42, é um exemplo de índio multilingüista. Ele é tucano, povo habitante do Município de São Gabriel da Cachoeira (a 850 quilômetros de Manaus), ' onde existem três línguas oficiais, além da portuguesa: a tucano, a língua geral e a baníua. Álvaro, que é um dos fundadores do movimento indigenista e dirigiu órgãos como a Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn), fala com orgulho quatro línguas: tucano, dessana, macu e a portuguesa e lamenta que alguns "parentes", termo,com o qual se refere aos demais índios, escondam essa condição por vergonha.
A Crítica, 02/05/2004, Cidades, p. C7
Estudos apontam a existência de 160 línguas indígenas faladas no Estado, sendo 30 delas documentadas e outras 114 registradas. Algumas etnias do Alto Rio Negro chegam a falar entre três e cinco diferentes línguas
ANA CELIA OSSAME
DA EQUIPE DE A CRITICA
As línguas separam a humanidade desde os tempos mais remotos e a razão disso continua sendo uma incógnita. A explicação mais conhecida é a do livro bíblico do Gênesis, relatando que durante a construção da Torre de Babel, Deus teria confundido as vozes dos homens que freqüentemente se desentendiam.
Para quem procura uma versão atualizada da torre, o Amazonas é o cenário' mais perfeito. Embora a língua portuguesa seja majoritariamente falada, ao menos 160 línguas foram identificadas no Estado, tendo 30 uma boa documentação, 114 alguma forma de documentação e as demais sem nenhum registro. "É um campo fértil para quem estuda lingüística, mas o Amazonas sempre virou as costas para esse patrimônio", afirma Paulo Renan Gomes da Silva, professor doutor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), ao apontar a falta de interesse de estudiosos pelo tema.
Ele justifica o desinteresse com a falta de aceitação tanto da cultura quanto da língua indígena. Como exemplo, cita o fato de o Departamento:de Línguas: e Literatura da Ufam não ter um setor de estudo de lingüística. "0 estudo da língua indígena não é visto como tema importante, daí porque pouquíssimos pesquisadores, isoladamente, se debruçam sobre o tema", prossegue o professor. Um levantamento feito no início da década de 90 demonstrou a existência de apenas 12 doutoras no Brasil dedicando-se ao estudo das línguas indígenas e somente oito universidades com a presença dessas línguas em programas de pós-graduação.
Apesar de considerar normal o desaparecimento de línguas, Paulo Renan lamenta os esforços esporádicos de professores em estudá-las devido a riqueza da diversidade que representam. 0 País, segundo ele, é o maior em densidade lingüística no mundo, mas detém uma das mais baixas concentrações de população por língua. "Somos intolerantes com o falar diferente", observa ele, dizendo que esse sentimento é resultado da colonização que impôs a língua e a cultura dos brancos.
Um caso notável já apontado em estudos dá-se entre os povos indígenas do rio Negro, onde os homens costumam falar de três a cinco línguas ou até mais. Há casos de homens que dominam de oito a dez idiomas. Para esses índios, as línguas representam elementos para a constituição da identidade pessoal. Um homem, por exemplo, deve falar a mesma língua que seu pai, para com isso partilhar com ele o mesmo "grupo lingüístico", mas deve casar-se com uma mulher que fale uma língua diferente, ou seja, que pertença a um outro "grupo lingüístico".
LÍNGUAS
Dados de especialistas revelam que 234 línguas indígenas contemporâneas já desapareceram completamente. E as previsões para este século é que 90% das línguas faladas no mundo também venham a desaparecer. Mas um esforço para resgatar e fortalecer as línguas e a cultura indígena vem sendo feito há alguns anos pelo Ministério da Educação (MEC) com política educacional indígena para tentar preservar esse importante patrimônio.
BUSCA RÁPIDA
Multilíngües
Apesar do domínio da língua portuguesa, o Brasil é considerado um País multiIíngües: nele são aprendidas como maternas cerca de 200 línguas.
As pessoas que têm línguas maternas minoritárias no Brasil constituem apenas 0,5% da população total do País, cerca de 750 mil indivíduos. Deste contingente a maior parte, 60%, fala a que é a segunda língua do Brasil em termos demográficos - o japonês. Os 40% restantes, cerca de 300.000 mil, distribuem-se pelas outras línguas de minorias asiáticas (chinês, coreano, árabe, armênio, etc.) e européias (alemão, italiano, polonês, grego moderno, húngaro, ucraniano, idiche, lituano, etc.) e pelas línguas indígenas.
No País são 180 línguas
Existem hoje no Brasil cerca de 218 povos indígenas falando 180 línguas. Mais de vinte desses povos agora falam só o português, mas alguns passaram a falara língua de um povo indígena vizinho e dois, no Amapá falam o crioulo francês da Guiana.
A população total dos povos indígenas é agora de cerca de 190 mil pessoas, mas dessas só cerca de 160 mil falam as 180 línguas indígenas. Isto, segundo os estudiosos, revela a existência de uma média de menos de 900 falantes por língua. Como a distribuição é desigual, algumas dessas línguas são faladas por cerca de 20 mil pessoas ao passo que outras o são por menos de 20.
Do ponto de vista genético, que permite classificaras línguas em conjuntos com origem comum mais próxima ou mais remota, as 180 línguas indígenas brasileiras se distribuem por pouco mais de 40 conjuntos, a que se costuma dar o nome de famílias lingüísticas.
Dez destes constam hoje de uma só língua, a qual, por ser a única e não apresentar parentesco com as demais conhecidas, é também chamada de língua isolada.
O número de línguas nas outras famílias varia de duas a trinta. Este último é o número de línguas da família tupi-guarani no Brasil, que é a mais distribuída sobre nosso território, com línguas no Amapá e Norte do Pará e com outras no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com umas no litoral atlântico e outras em Rondônia, assim como nos principais afluentes meridionais do rio Amazonas, no Madeira, no Tapajós, no Xingu e também no Tocantins e Araguaia.
CURIOSIDADE
Uma das línguas indígenas brasileiras que têm o menor inventário de fonemas no mundo é a língua Pirahã fala-' da pelos povos indígenas habitantes dos afluentes do rio Madeira, no Amazonas. A língua tem apenas dez fonemas - seis consoantes, três vogais e o fricativo glotal. Estima-se que, no ano de 1500, quando os portugueses chegaram ao Brasil, passava de 1,3 mil o número de línguas faladas aqui, segundo o livro "O governo brasileiro e a educação", do Ministério da Educação (MEC), no período de 1995-2002. Atualmente, apenas nove línguas indígenas têm acima de 5 mil falantes: guajajara, sateré-maué, xavante, ianomâmi, terena, macuxi, caingangue, ticuna e guarani, estes últimos com 30 mil indivíduos. Cerca de 110 línguas contam com menos de 400 falantes.
PERFIL
Álvaro Tukano, ex-dirigente da Federação Indígena do Alto Rio Negro (FOIRN)
Álvaro Tukano, 42, é um exemplo de índio multilingüista. Ele é tucano, povo habitante do Município de São Gabriel da Cachoeira (a 850 quilômetros de Manaus), ' onde existem três línguas oficiais, além da portuguesa: a tucano, a língua geral e a baníua. Álvaro, que é um dos fundadores do movimento indigenista e dirigiu órgãos como a Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn), fala com orgulho quatro línguas: tucano, dessana, macu e a portuguesa e lamenta que alguns "parentes", termo,com o qual se refere aos demais índios, escondam essa condição por vergonha.
A Crítica, 02/05/2004, Cidades, p. C7
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