De Povos Indígenas no Brasil
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Revitalização cultural
18/12/2007
Autor: Michelle Portela
Fonte: AGÊNCIA FAPESP
Os índios sateré-mawé guardam, com carinho, uma borduna em forma de remo que chamam de porantim. Nela estão desenhadas figuras que contam narrativas e mitos da origem desse povo. "É no porantim que está escrito tudo: como foi criado o mundo e todas as coisas que habitam a terra", explica o professor indígena Leonardo Miquiles.
Mas a preservação do porantim deixava de refletir entre os sateré-mawé, cuja história e práticas culturais tradicionais estavam sumindo do cotidiano, guardadas apenas nas memórias dos mais velhos.
Incomodada com a situação e com a crescente ausência de retorno de pesquisas realizadas nas aldeias da terra indígena Andirá-Marau, no oeste do Amazonas, a Organização dos Professores Indígenas Sateré-Mawé dos rio Andirá e Waikurapá (Opisma) tenta mudar esse quadro com o projeto "Revitalização da língua e das artes sateré-mawé", desenvolvido desde junho de 2006 com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Anciões que ainda detinham conhecimentos tradicionais foram transformados em professores de oficinas de arte. São aulas de redes, cerâmica, tecelagem e história mitológica, cada uma coordenada por um professor, responsável por mobilizar os jovens à participação. "É um trabalho para proteger e fortalecer o povo sateré-mawé", disse Júlio Miquiles, tuxaua-geral (chefe) da tribo. Os sateré-mawé representam a segunda maior etnia da Amazônia, com cerca de 8,5 mil indivíduos.
Como as artes são trabalhadas não somente como práticas tradicionais, mas também como alternativa econômica, o projeto ganha força por ser a primeira oportunidade de geração de emprego e renda entre jovens do povo. "A reafirmação da nossa identidade étnica pode ser um caminho para a geração de renda na aldeia", aponta José de Oliveira, coordenador-geral da Opisma e do projeto.
Três oficinas para cada arte (rede, tecelagem, cerâmica e história) foram realizadas no primeiro ano do projeto. A cada uma delas, coordenadores e assessores subiram os rios da região percorrendo cerca de 50 aldeias da boca à cabeceira para mobilizar a comunidade. "Levamos até um mês viajando de barco para chegar à cabeceira, onde os rios têm dois metros de largura e a densidade da floresta produz uma noite permanente", explica Denise de Souza Carneiro, assessora da Opisma.
Cada oficina oferece 12 vagas a crianças e adolescentes sateré-mawé, preenchidas a partir da divisão elaborada pela organização. "As aldeias que ficam na cabeceira no rio tiveram mais vagas, porque sempre foram desprestigiadas quanto à realização de projetos. É preferível realizar atividades em aldeias de fácil acesso", conta Denise.
Zezinho de Araújo Beltrão, 20 anos, morador da Vila Miquiles, no rio Andirá, diz estar entusiasmado com a oportunidade de direcionar sua curiosidade contribuindo para o resgate da oralidade na tribo, na oficina de história mitológica. "Eu queria saber como a gente tinha nascido, saber com as histórias e falar para a tribo. Mas estava esperando uma oportunidade para me mostrar. Tenho vontade de ser professor de história", disse.
Mulheres e meninas saterés também reivindicaram o direito de participar. Assim como fazem o artesanato com matéria-prima retirada da floresta, elas agora tecem redes como obras de arte. "As meninas querem trabalhar e agora a gente pode vender as redes para os sateré mesmo ou para os brancos", explicou Andreza Miquiles, professora da oficina de rede.
Segundo ela, a participação da filha, Betiane Miquiles, 15 anos, na oficina é uma conquista. "Eu aprendi a fazer redes com a minha mãe, mas deixamos porque paramos de plantar algodão e tudo se perdeu. Agora, a gente vai plantar algodão e trabalhar com as redes de novo", disse.
Betiane vê no aprendizado uma oportunidade de trabalho, compartilhando da expectativa dos coordenadores de que as práticas culturais também se consolidem enquanto alternativas econômicas. "A gente pode vender as redes como artesanato e ainda manter a cultura sateré-mawé", afirmou.
Pesquisa indígena
A iniciativa de revitalização começou a ser pensada durante o desenvolvimento dos projetos de pesquisa "Elaboração de uma gramática sateré-mawé" e "Elaboração de um dicionário sateré-mawé", com apoio, respectivamente, do Programa Jovem Cientista Amazônida (JCA) e do Programa Integrado de Pesquisa e Inovação Tecnológica, ambos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
O dicionário foi publicado pela Editora da Universidade Federal do Amazonas (Edua), por meio do Programa de Apoio à Publicação - Publica Amazonas, também da Fapeam, e está sendo utilizado em sala de aula pelos professores indígenas.
"Ao produzir material pedagógico para que os professores tivessem o mínimo de conhecimento lingüístico para a alfabetização na língua nativa, nos demos conta de que as práticas culturais estavam se perdendo", explicou a lingüista Dulce Franceschini, responsável pela condução dos projetos financiados pela Fapeam e assessora dos indígenas no novo projeto.
"Como podemos ensinar que há animais da terra e animais da água sem saber o sentido dessa diferença? Esse questionamento começou a ficar muito forte entre os professores indígenas", disse José de Oliveira, da Opisma.
Revitalizar as práticas culturais enquanto prática pedagógica passou a ser prioridade para os sateré. "Tudo está relacionado à nossa capacidade de falar sobre quem somos. Conhecer nossa cultura é ser sateré. A gente até conhecia, mas não sabia do início ao fim como os jovens agora estão aprendendo", afirmou Leonardo Miquiles, que também coordena o projeto.
A expectativa é que essa experiência modifique a trajetória do povo sateré-mawé, objeto de estudo de pesquisadores de várias origens. Tanto Miquiles como Oliveira foram bolsistas JCA e, agora, buscam autonomia na pesquisa científica, vendo na gestão do projeto o primeiro passo na retomada. "Começamos como bolsistas, aprendendo a coletar dados em campo e, aos poucos, entendendo como fazer", contou Oliveira.
"É muito importante perceber como o apoio financeiro da Fapeam a dois projetos anteriores motivou a realização de um novo grande projeto", disse Elisabeth Brocki, diretora técnico-científica da Fapeam.
A expectativa dos coordenadores é que outros professores e estudantes indígenas ingressem em cursos de nível superior e de pós-graduação, para executar projetos de pesquisa de interesse dos sateré-mawé. "Temos de aprender o conhecimento do branco para proteger o conhecimento indígena", disse Oliveira.
O projeto "Revitalização da língua e das artes sateré-mawé" foi discutido durante encontro de avaliação do primeiro ano de execução, no início do mês na aldeia Umirituba, na região do município de Barreirinha (a 372 quilômetros de Manaus).
Tuxauas, professores e estudantes das dez aldeias onde estão sendo realizadas as oficinas de artes previstas pelo projeto participaram da avaliação.
Mas a preservação do porantim deixava de refletir entre os sateré-mawé, cuja história e práticas culturais tradicionais estavam sumindo do cotidiano, guardadas apenas nas memórias dos mais velhos.
Incomodada com a situação e com a crescente ausência de retorno de pesquisas realizadas nas aldeias da terra indígena Andirá-Marau, no oeste do Amazonas, a Organização dos Professores Indígenas Sateré-Mawé dos rio Andirá e Waikurapá (Opisma) tenta mudar esse quadro com o projeto "Revitalização da língua e das artes sateré-mawé", desenvolvido desde junho de 2006 com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Anciões que ainda detinham conhecimentos tradicionais foram transformados em professores de oficinas de arte. São aulas de redes, cerâmica, tecelagem e história mitológica, cada uma coordenada por um professor, responsável por mobilizar os jovens à participação. "É um trabalho para proteger e fortalecer o povo sateré-mawé", disse Júlio Miquiles, tuxaua-geral (chefe) da tribo. Os sateré-mawé representam a segunda maior etnia da Amazônia, com cerca de 8,5 mil indivíduos.
Como as artes são trabalhadas não somente como práticas tradicionais, mas também como alternativa econômica, o projeto ganha força por ser a primeira oportunidade de geração de emprego e renda entre jovens do povo. "A reafirmação da nossa identidade étnica pode ser um caminho para a geração de renda na aldeia", aponta José de Oliveira, coordenador-geral da Opisma e do projeto.
Três oficinas para cada arte (rede, tecelagem, cerâmica e história) foram realizadas no primeiro ano do projeto. A cada uma delas, coordenadores e assessores subiram os rios da região percorrendo cerca de 50 aldeias da boca à cabeceira para mobilizar a comunidade. "Levamos até um mês viajando de barco para chegar à cabeceira, onde os rios têm dois metros de largura e a densidade da floresta produz uma noite permanente", explica Denise de Souza Carneiro, assessora da Opisma.
Cada oficina oferece 12 vagas a crianças e adolescentes sateré-mawé, preenchidas a partir da divisão elaborada pela organização. "As aldeias que ficam na cabeceira no rio tiveram mais vagas, porque sempre foram desprestigiadas quanto à realização de projetos. É preferível realizar atividades em aldeias de fácil acesso", conta Denise.
Zezinho de Araújo Beltrão, 20 anos, morador da Vila Miquiles, no rio Andirá, diz estar entusiasmado com a oportunidade de direcionar sua curiosidade contribuindo para o resgate da oralidade na tribo, na oficina de história mitológica. "Eu queria saber como a gente tinha nascido, saber com as histórias e falar para a tribo. Mas estava esperando uma oportunidade para me mostrar. Tenho vontade de ser professor de história", disse.
Mulheres e meninas saterés também reivindicaram o direito de participar. Assim como fazem o artesanato com matéria-prima retirada da floresta, elas agora tecem redes como obras de arte. "As meninas querem trabalhar e agora a gente pode vender as redes para os sateré mesmo ou para os brancos", explicou Andreza Miquiles, professora da oficina de rede.
Segundo ela, a participação da filha, Betiane Miquiles, 15 anos, na oficina é uma conquista. "Eu aprendi a fazer redes com a minha mãe, mas deixamos porque paramos de plantar algodão e tudo se perdeu. Agora, a gente vai plantar algodão e trabalhar com as redes de novo", disse.
Betiane vê no aprendizado uma oportunidade de trabalho, compartilhando da expectativa dos coordenadores de que as práticas culturais também se consolidem enquanto alternativas econômicas. "A gente pode vender as redes como artesanato e ainda manter a cultura sateré-mawé", afirmou.
Pesquisa indígena
A iniciativa de revitalização começou a ser pensada durante o desenvolvimento dos projetos de pesquisa "Elaboração de uma gramática sateré-mawé" e "Elaboração de um dicionário sateré-mawé", com apoio, respectivamente, do Programa Jovem Cientista Amazônida (JCA) e do Programa Integrado de Pesquisa e Inovação Tecnológica, ambos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
O dicionário foi publicado pela Editora da Universidade Federal do Amazonas (Edua), por meio do Programa de Apoio à Publicação - Publica Amazonas, também da Fapeam, e está sendo utilizado em sala de aula pelos professores indígenas.
"Ao produzir material pedagógico para que os professores tivessem o mínimo de conhecimento lingüístico para a alfabetização na língua nativa, nos demos conta de que as práticas culturais estavam se perdendo", explicou a lingüista Dulce Franceschini, responsável pela condução dos projetos financiados pela Fapeam e assessora dos indígenas no novo projeto.
"Como podemos ensinar que há animais da terra e animais da água sem saber o sentido dessa diferença? Esse questionamento começou a ficar muito forte entre os professores indígenas", disse José de Oliveira, da Opisma.
Revitalizar as práticas culturais enquanto prática pedagógica passou a ser prioridade para os sateré. "Tudo está relacionado à nossa capacidade de falar sobre quem somos. Conhecer nossa cultura é ser sateré. A gente até conhecia, mas não sabia do início ao fim como os jovens agora estão aprendendo", afirmou Leonardo Miquiles, que também coordena o projeto.
A expectativa é que essa experiência modifique a trajetória do povo sateré-mawé, objeto de estudo de pesquisadores de várias origens. Tanto Miquiles como Oliveira foram bolsistas JCA e, agora, buscam autonomia na pesquisa científica, vendo na gestão do projeto o primeiro passo na retomada. "Começamos como bolsistas, aprendendo a coletar dados em campo e, aos poucos, entendendo como fazer", contou Oliveira.
"É muito importante perceber como o apoio financeiro da Fapeam a dois projetos anteriores motivou a realização de um novo grande projeto", disse Elisabeth Brocki, diretora técnico-científica da Fapeam.
A expectativa dos coordenadores é que outros professores e estudantes indígenas ingressem em cursos de nível superior e de pós-graduação, para executar projetos de pesquisa de interesse dos sateré-mawé. "Temos de aprender o conhecimento do branco para proteger o conhecimento indígena", disse Oliveira.
O projeto "Revitalização da língua e das artes sateré-mawé" foi discutido durante encontro de avaliação do primeiro ano de execução, no início do mês na aldeia Umirituba, na região do município de Barreirinha (a 372 quilômetros de Manaus).
Tuxauas, professores e estudantes das dez aldeias onde estão sendo realizadas as oficinas de artes previstas pelo projeto participaram da avaliação.
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