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Abandono: sem conforto e segurança

27/06/2008

Fonte: CB, Cidades, p. 24



Abandono: sem conforto e segurança
Fundada em 1999 para receber indígenas em tratamento de saúde no DF, a casa onde Jaiya estava hospedada encontra-se em situação precária. Problemas vão da infra-estrutura à limpeza do lugar

Renato Alves
Da equipe do Correio

A Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai), no Gama, abriga índios que buscam tratamento médico no Distrito Federal, como Jaiya Pewewiio Tfiruipi Xavante, a menina morta quarta-feira. Segundo os hóspedes, o prédio no Km 20 da BR-060 (rodovia Brasília-Goiânia) não oferece conforto e segurança. As instalações são precárias e falta material de limpeza. Os abrigados dormem em colchões e camas velhos e usam banheiros coletivos (para homens, mulheres e crianças), sujos e desgastados. Já os funcionários convivem com corriqueiros atrasos de salários.

A direção do Casai no Distrito Federal e o delegado Antônio Romeiro, da Polícia Civil, não permitiram o acesso da impressa à casa ontem nem entrevistas com os índios abrigados. Mas o Correio esteve no albergue no fim de 2007 e no início deste ano e conversou ontem com funcionários da casa e acompanhantes dos indígenas. Eles relataram ser comum conflitos entre etnias. A segurança é feita por três vigilantes, um por turno. Há duas enfermeiras durante o dia e duas à noite.

Uma índia camayurá que veio visitar o pai abrigado na Casai do DF, contou que ele pediu para ir embora por causa das péssimas condições do prédio. "Ele tem pressão alta e catarata. Reclamou que não suporta o frio. Na aldeia, acende fogueira ao lado da rede. Aqui, não tem jeito. Passei uma noite lá (no Casai). Dormi em um colchão furado, sem cobertor", reclamou a índia. Ela contou ainda que esteve hospedada na casa, anteriormente, por dois anos. "Antes, era melhor. Agora, é sujo e não tem faxineira."

Moradora de uma aldeia de Mato Grosso, a indígena relatou ainda que qualquer pessoa entra na casa. Os vigilantes não cobram identificação, segundo ela. Presidente da Ateni (que significa voz pela vida, na língua dos suruarrá), ONG que trabalha em defesa do direito das crianças indígenas, Márcia Suzuki confirmou as denúncias da camayurá. "Já visitei Casais do país inteiro. O do DF, sem dúvida, é um dos piores", ressaltou. Ela apontou a falta de segurança como um dos piores problemas da casa do Gama: "Como há muitas etnias juntas, as brigas são comuns. Os poucos vigilantes não dão conta do serviço".

Márcia Suzuki recebeu a visita ontem de outro índio camayurá hospedado na Casai do DF por causa do filho. O menino tem síndrome de Down e não pode voltar à aldeia porque sofre discriminação. "Ele estava desesperado, em busca de fralda, sabões e papel higiênico. Não havia nada disso na casa. Os sabões eram para lavar os lençóis em que o filho dele dorme", contou ela. Por causa da precariedade da Casai, ela acolhe alguns índios na própria casa, como a filha do camayurá que está no DF para tratar da pressão alta e da catarata.

Serviços médicos
Há 73 Casais nas regiões brasileiras com população indígena. Elas são administradas por ONGs, por meio de convênios com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão vinculado ao Ministério da Saúde. A Casai do Gama foi criada em 1999. Em geral, os índios vêm para a capital federal devido à falta de serviços médicos em seus locais de origem. A maioria dos internos faz tratamento nos hospitais Universitário de Brasília (HUB) e de Base do Distrito Federal.

Com capacidade para 70 pessoas, a Casai candanga já hospedou 295 de uma vez. Na última terça-feira, quando Jaiya Xavante passou mal, havia 56 pessoas no local, entre pacientes e acompanhantes. Em todas as Casais, a idéia é que os pacientes e familiares retornem às suas tribos depois de curados. No entanto, alguns precisam de tratamentos regulares e passam mais tempo do que o previsto inicialmente.

No ano passado, os ocupantes da Casai local quase foram despejados por causa da burocracia da Funasa. O convênio com a ONG que administra o abrigo, no valor de R$ 2,9 milhões, acabou em junho. O contrato foi prorrogado por mais um ano, mas, até meados de agosto, o dinheiro não havia sido liberado porque uma auditoria interna da Funasa analisava problemas de administração da entidade conveniada. Sem verbas, os funcionários ficaram sem salário por três meses.

A ONG era responsável pelos serviços gerais, manutenção, compra de medicamentos e pagamento dos 45 funcionários - 15 deles eram técnicos em enfermagem, mas havia também um enfermeiro, um nutricionista e um médico. Embora não ofereça atendimento clínico, a casa deveria providenciar serviços como troca de curativos, aplicação de soro, orientações sobre medicamentos indicados por especialistas, entre outros.

Silêncio
Ninguém da Funasa deu entrevista ontem. A fundação se pronunciou apenas por meio de nota oficial, que não informou quanto gasta com a Casai do DF e o tratamento dos indígenas. No comunicado, o órgão garantiu que "na Casai, a Funasa mantém serviço de vigilância 24 horas". Afirmou ainda que "no local, eles recebem medicamentos, atendimento da equipe de enfermagem, transporte e alimentação balanceada".

A falta de assistência levou um grupo de indígenas a acampar na sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), mês passado. Pelo menos 30 índios da etnia xavante (10 deles crianças com menos de 10 anos) mudaram-se para os corredores térreos e a garagem do prédio. Famílias improvisaram dormitórios usando colchonetes e pedaços de papelão em vez de camas.


Analise da notícia
Omissão vergonhosa

Carlos Tavares
Da equipe do Correio

O assassinato da índia xavante Jaiya Pewewiio Tfirupi, de 16 anos, é mais um capítulo da tragédia indígena brasileira e um símbolo da eterna omissão do poder público em relação aos povos mais desprezados do país. A forma como ocorreu o crime, dentro de um prédio público que existe para acompanhar e salvaguardar a saúde de todas as etnias que sofrem com problemas de saúde no Brasil; o silêncio da Fundação Nacional do Índio (Funai), cujo presidente Márcio Meira se recusou a dar qualquer tipo de explicação sobre o caso - e o da Funasa, Danilo Forte, que se limitou a mandar uma nota lacônica à imprensa -, tudo isso é o bastante para traduzir a nuvem de indiferença e de frieza que encobre o sofrimento das nações indígenas brasileiras.

Também foi assim no passado, quando jovens de classe média alta de Brasília queimaram o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, em uma parada de ônibus, na W3 Sul, quando este dormia. Ele não pôde voltar para o quarto de uma pousada onde estava hospedado porque ninguém abriu a porta para ele. O Estado brasileiro também está sempre fechando a porta na cara do índio. A pousada ficava, ironicamente, a poucos metros da sede da Funai, que existe para ser...a casa do índio.

No caso da menina xavante de 16 anos, doente e indefesa, ela morreu no Hospital Universitário no dia 25, ao meio-dia, e até ontem no final do dia metade da diretoria da Funasa ainda não havia tomado conhecimento da tragédia. Ou assim não quis. E o presidente da Funai, que sequer mandou notas à imprensa, se escondeu da mídia, vergonhosamente.

CB, 27/06/2008, Cidades, p. 24
 

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