De Povos Indígenas no Brasil
Notícias
Brasil - Raposa Serra do Sol
08/08/2008
Autor: Selvino Heck *
Fonte: Adital - www.adital.com.br
O que está em jogo no conflito da terra indígena Raposa Serra do Sol, de Roraima, é muito mais que a saída ou não dos arrozeiros que a invadiram e a demarcação e homologação da suas terras em área contínua, implementadas pelo governo Lula, contestadas judicialmente, com decisão prevista para o final do mês no Supremo Tribunal Federal. Está em jogo o tipo de sociedade que se quer, quais os direitos dos povos, qual projeto de desenvolvimento e que valores devem predominar nas relações econômicas, sociais, culturais, ambientais e humanas.
Artigo do professor Denis Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, não deixa margem para dúvidas (Mato Grosso do Sul, o Globo, 03.08.08). (Um parêntesis: Denis foi meu professor de filosofia política nos anos 80, quando publicou os livro O que é Democracia e Democracia e Política. Em 1992, eleito Tarso Genro prefeito de Porto Alegre, eu presidente estadual do Partido dos Trabalhadores, ele moveu mundos e fundos para ser o Secretário Municipal de Cultura, o que não aconteceu. A partir daí, mudou radicalmente suas posições políticas, de liberal de centro esquerda para a centro-direita ou a direita pura.)
Escreve Denis, referindo-se aos processos de demarcação de terras indígenas dos Kaiowá Guarani em Mato Grosso do Sul, mas cujos termos e argumentos aplicam-se também à Raposa Serra do Sol: "Imagine-se um Estado que pode ser amputado de um terço de seu território (o que, aliás, grifo meu, não é verdade, no caso de Mato Grosso do Sul), que passaria à legislação federal indígena, graças a portarias e estudos dito antropológicos. O poder concentrado nessas poucas mãos é francamente exorbitante. É uma questão que envolve o direito de propriedade e a configuração territorial de um ente federativo".
Aí está o nó, o busilis da questão e da argumentação: o suposto direito de propriedade. Como se o direito de propriedade fosse absoluto, ou que os índios não estivessem nesta terra há milhares de anos e a propriedade não lhes tivesse sido roubada ou não tivessem sido expulsos de sua terra há quinhentos anos e durante os cinco séculos seguintes, ou que a Constituição Cidadã de 1988 não lhes tivesse assegurado direito às terras que "tradicionalmente ocupam" (Art. 231).
Enquanto isso, compram-se (ou invadem-se) terras aos quilos ou às centenas de milhares de hectares, como agora ficou demonstrado com o banqueiro Daniel Dantas e suas fazendas no Pará. Ou as notícias de todos os dias sobre compra de terras por parte do grande capital nacional ou estrangeiro, especialmente na Amazônia. Nestes casos, não se questiona o direito de propriedade. Este, aliás, é questionado sempre que sem-terras querem plantar e produzir alimentos para si e para todos os brasileiros num pequeno espaço, em poucos hectares, que só conquistam à base de muita luta e mobilização.
Mais uma vez, repetindo a história, o índio vira adversário ou inimigo. Diz-se até que não é brasileiro, que é contra o progresso, que é contra de tudo de bom que os colonizadores trouxeram. Índio não é gente, não é cidadão. Cabe-lhe, mais uma vez, o papel de subalterno, de servidor, de subserviente, de escravo. Ele não tem direitos, ele não existe, ele não tem história, ainda que a lei e a Constituição assim o garantam e determinem.
Este é um bom momento para uma reflexão de fundo, agora que o Brasil está saindo ou colocando o xeque o neoliberalismo selvagem dos anos noventa, quando começa algum grau de distribuição de renda, quando os pobres, finalmente, vêem melhorar minimamente sua renda, recomeçam a ter trabalho e emprego, o Estado retoma seu papel de regulador e indutor do desenvolvimento, valores como justiça social e solidariedade não ficam apenas no discurso, mas acontecem na prática e na vida, mais por organização e exigência dos pobres e trabalhadores que por cumprimento de seus deveres por parte do Estado ou de governos.
A humanidade está numa encruzilhada de ter que decidir se vai continuar no caminho de um desenvolvimento insustentável, ambientalmente destrutivo, de valores individualistas e competitivos que levam a becos sem saída. Ou de construir um futuro onde os bilhões de seres humanos possam viver em harmonia, com segurança alimentar e nutricional, respeitados os mínimos direitos e a possibilidade de um mundo justo e sustentável.
Os indígenas, não por seu passado, mas por seu presente e seu esperado futuro, agora que voltaram a crescer numericamente e a se afirmar como povos, ensinam caminhos e propõem valores de cuidado com a natureza - as árvores, os bichos, as águas, o ar -de paz, de distribuição igual do que é produzido e necessário para viver, de culto, de alegria , de bom uso da terra, de respeito à cultura e à tradição.
A esperança é muita. Como dizem os Kaiowá Guarani, no documento JEROKI GUASU: o envio para identificação da terra Kaiowá Guarani: "Meses, anos, décadas de sonho e luta. Finalmente a terra tradicional, os tekoha, onde estão enterrados os antepassados, onde muitos nasceram e se criaram, onde plantaram, pescaram sorriram e choraram, começam a estar mais próximas. A terra, os tekoha estão no horizonte, ainda distante, mas mais próximos, ainda com muitos males, mas prontos para a reconstrução da paz, da harmonia e da abundância perdidas".
Oxalá assim seja para os Kaiowá Guarani de Mato Grosso do Sul! E para os Macuxi, os Wapixana, os Ingaricó, os Taurepangue e os Patamona da Raposa Serra do Sol.
Artigo do professor Denis Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, não deixa margem para dúvidas (Mato Grosso do Sul, o Globo, 03.08.08). (Um parêntesis: Denis foi meu professor de filosofia política nos anos 80, quando publicou os livro O que é Democracia e Democracia e Política. Em 1992, eleito Tarso Genro prefeito de Porto Alegre, eu presidente estadual do Partido dos Trabalhadores, ele moveu mundos e fundos para ser o Secretário Municipal de Cultura, o que não aconteceu. A partir daí, mudou radicalmente suas posições políticas, de liberal de centro esquerda para a centro-direita ou a direita pura.)
Escreve Denis, referindo-se aos processos de demarcação de terras indígenas dos Kaiowá Guarani em Mato Grosso do Sul, mas cujos termos e argumentos aplicam-se também à Raposa Serra do Sol: "Imagine-se um Estado que pode ser amputado de um terço de seu território (o que, aliás, grifo meu, não é verdade, no caso de Mato Grosso do Sul), que passaria à legislação federal indígena, graças a portarias e estudos dito antropológicos. O poder concentrado nessas poucas mãos é francamente exorbitante. É uma questão que envolve o direito de propriedade e a configuração territorial de um ente federativo".
Aí está o nó, o busilis da questão e da argumentação: o suposto direito de propriedade. Como se o direito de propriedade fosse absoluto, ou que os índios não estivessem nesta terra há milhares de anos e a propriedade não lhes tivesse sido roubada ou não tivessem sido expulsos de sua terra há quinhentos anos e durante os cinco séculos seguintes, ou que a Constituição Cidadã de 1988 não lhes tivesse assegurado direito às terras que "tradicionalmente ocupam" (Art. 231).
Enquanto isso, compram-se (ou invadem-se) terras aos quilos ou às centenas de milhares de hectares, como agora ficou demonstrado com o banqueiro Daniel Dantas e suas fazendas no Pará. Ou as notícias de todos os dias sobre compra de terras por parte do grande capital nacional ou estrangeiro, especialmente na Amazônia. Nestes casos, não se questiona o direito de propriedade. Este, aliás, é questionado sempre que sem-terras querem plantar e produzir alimentos para si e para todos os brasileiros num pequeno espaço, em poucos hectares, que só conquistam à base de muita luta e mobilização.
Mais uma vez, repetindo a história, o índio vira adversário ou inimigo. Diz-se até que não é brasileiro, que é contra o progresso, que é contra de tudo de bom que os colonizadores trouxeram. Índio não é gente, não é cidadão. Cabe-lhe, mais uma vez, o papel de subalterno, de servidor, de subserviente, de escravo. Ele não tem direitos, ele não existe, ele não tem história, ainda que a lei e a Constituição assim o garantam e determinem.
Este é um bom momento para uma reflexão de fundo, agora que o Brasil está saindo ou colocando o xeque o neoliberalismo selvagem dos anos noventa, quando começa algum grau de distribuição de renda, quando os pobres, finalmente, vêem melhorar minimamente sua renda, recomeçam a ter trabalho e emprego, o Estado retoma seu papel de regulador e indutor do desenvolvimento, valores como justiça social e solidariedade não ficam apenas no discurso, mas acontecem na prática e na vida, mais por organização e exigência dos pobres e trabalhadores que por cumprimento de seus deveres por parte do Estado ou de governos.
A humanidade está numa encruzilhada de ter que decidir se vai continuar no caminho de um desenvolvimento insustentável, ambientalmente destrutivo, de valores individualistas e competitivos que levam a becos sem saída. Ou de construir um futuro onde os bilhões de seres humanos possam viver em harmonia, com segurança alimentar e nutricional, respeitados os mínimos direitos e a possibilidade de um mundo justo e sustentável.
Os indígenas, não por seu passado, mas por seu presente e seu esperado futuro, agora que voltaram a crescer numericamente e a se afirmar como povos, ensinam caminhos e propõem valores de cuidado com a natureza - as árvores, os bichos, as águas, o ar -de paz, de distribuição igual do que é produzido e necessário para viver, de culto, de alegria , de bom uso da terra, de respeito à cultura e à tradição.
A esperança é muita. Como dizem os Kaiowá Guarani, no documento JEROKI GUASU: o envio para identificação da terra Kaiowá Guarani: "Meses, anos, décadas de sonho e luta. Finalmente a terra tradicional, os tekoha, onde estão enterrados os antepassados, onde muitos nasceram e se criaram, onde plantaram, pescaram sorriram e choraram, começam a estar mais próximas. A terra, os tekoha estão no horizonte, ainda distante, mas mais próximos, ainda com muitos males, mas prontos para a reconstrução da paz, da harmonia e da abundância perdidas".
Oxalá assim seja para os Kaiowá Guarani de Mato Grosso do Sul! E para os Macuxi, os Wapixana, os Ingaricó, os Taurepangue e os Patamona da Raposa Serra do Sol.
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