De Povos Indígenas no Brasil

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Retirada imediata

20/03/2009

Autor: Paulo César, QUARTIERO

Fonte: CB, Brasil, p. 10



Retirada imediata
Plenário do STF concorda com demarcação contínua da reserva indígena em Roraima e determina que não-índios desocupem a área de 1,7 milhão de hectares, mas impõe 19 condições para o uso do território

Paloma Oliveto e Mirella D´Elia
Da equipe do Correio

Uma reunião da qual participarão o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, da Justiça, Tarso Genro, e o presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Jirair Aram Meguerian, define hoje o prazo para que os não-índios deixem a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Na decisão, por 10 votos a 1, o plenário do STF concordou com a demarcação contínua do território e a desocupação imediata da área de 1,7 milhão de hectares. Porém, Britto, relator do processo, lembrou que é preciso ter mais informações sobre as condições atuais da reserva. O TRF foi o órgão da Justiça designado pelo presidente do Supremo, Gilmar Mendes, para supervisionar o processo.

"Estou autorizado pelo STF a comandar esse processo de retirada e o farei com imediatidade nesse sentido de contatar imediatamente as autoridades e ver as condições efetivas de cumprir, de materializar essa decisão", afirmou o relator. De acordo com ele, a ideia é que todos - fazendeiros, moradores das cidades e trabalhadores rurais - saiam ao mesmo tempo e, segundo o ministro, não há riscos de ocorrerem episódios violentos. "Tenho para mim que não vai haver resistência. É um processo que veio ganhando maturação aos poucos, não foi num estalar de dedos, todo mundo está acompanhando", disse Britto.

Já o líder dos arrozeiros de Roraima, José Paulo Quartiero, que não acompanhou a retomada do julgamento, pensa diferente. Ele teme um massacre na área (leia entrevista).

Valores
Os ministros não discutiram valores indenizatórios pelas benfeitorias feitas na área pelos que agora deixarão a reserva. "O processo de indenização é algo paralelo, corre na Justiça comum, não tem nada a ver com o STF", explicou Ayres Britto. O advogado dos produtores rurais, Luiz Albrecht, argumentou no plenário que os arrozeiros estão em pleno processo de colheita e que a produção ficaria ameaçada. O ministro-relator não se comoveu. "Quem plantou nas terras sob litígio, debaixo de condições tão evidentes de retirada, o fez por sua conta e risco."

A sessão que encerrou mais de três décadas de disputas entre índios e produtores rurais foi breve e tranquila, ao contrário do dia anterior, quando o ministro Marco Aurélio Mello, voto vencido no processo, demorou quase sete horas para ler seu voto e bateu boca com o relator. Ontem, quem ficou descontente foi o ministro Joaquim Barbosa, que chegou a cogitar, sem sucesso, uma nova oitiva das partes por causa das 19 condicionantes (veja quadro) aprovadas. Dezoito constavam do voto de Carlos Alberto Menezes Direito, que ontem apresentou mais uma: a necessidade de todos os entes federados participarem do processo de demarcação de áreas indígenas.

Regras impostas

Das 19 condicionantes apresentadas no voto do ministro Carlos Alberto Menezes Direito e acatadas pelo plenário do STF, sete desagradam aos índios, que chegaram a protocolar um documento na Corte pedindo que fossem excluídas do processo

Condição 5
O Ministério da Defesa e o Conselho de Defesa Nacional ficarão responsáveis pelo uso que os índios fazem da terra. Esses órgãos não precisarão consultar a comunidade indígena para instalar bases, unidades e postos militares, assim como a malha viária e projetos de exploração energética

Condição 8
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) vai administrar as unidades de conservação localizadas em terras indígenas. É o órgão quem vai dizer se os índios podem caçar, pescar ou praticar o extrativismo vegetal, assim como e quando transitar, ingressar e permanecer no local

Condição 9
Nas unidades de conservação, os índios têm direito a manter suas tradições e costumes, mas não terão poder decisório. Poderão opinar, no ICMBio

Condição 12
Os índios não podem cobrar tarifas ou qualquer tipo de quantia para o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios em suas terras

Condição 13
Eles também não podem cobrar pela utilização de estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de outros equipamentos e instalações colocados a serviço do público

Condição 14
As terras indígenas não poderão ser arrendadas ou vendidas

Condição 17
Tendo como base 1988, ano de promulgação da Constituição, as terras indígenas já demarcadas não poderão ser ampliadas


"Isso é um crime"

Entrevista: Paulo César Quartiero

Ex-prefeito de Pacaraima (RR) pelo DEM e líder dos produtores de arroz instalados na região da Raposa Serra do Sol, Paulo César Quartiero não acompanhou a sessão plenária do STF ontem. Bastante nervoso, falou com o Correio por telefone. Na quarta-feira, ele se mostrava confiante com o voto - vencido - de Marco Aurélio Mello, mas agora o clima mudou. Temendo violência, ele viaja hoje para Roraima. "O que o Supremo fez foi um crime", disse.

O que os produtores rurais esperam agora, com o fim do julgamento?

Espero que não nos fuzilem, não nos esquartejem. Temos 15 mil cabeças de gado lá, temos colheita. E o que querem fazer com a gente é algo impossível: nos tirar a toque de caixa. O que vai acontecer com os trabalhadores das fazendas, os moradores das cidades? Não são só os fazendeiros, mas os trabalhadores, pessoas humildes, muitos idosos.

Como o senhor interpreta a decisão do Supremo?

Isso é uma vingança contra os produtores rurais. Nós concordamos com a retirada, só queremos um prazo normal. O que eles querem? Colocar as pessoas no meio da rua? Isso só pode ser uma vingança. Não dá para entender.

O senhor está preocupado com o valor das indenizações?

Não estou preocupado com indenização, estou preocupado com a integridade física dos meus filhos, que estão na fazenda. Estou preocupado em levar um tiro. Quanto à indenização, o governo é caloteiro desde que nasceu. Só queremos um prazo para sair com dignidade. Se deixarem aqueles policiais truculentos, o que vai haver é um massacre da população. Isso é um crime.

O senhor acredita que é possível convencer o ministro relator, Carlos Ayres Britto, a conceder um prazo razoável para a retirada dos não-índios?

O que ele quer que a gente faça? Se ajoelhe aos pés dele? Se for isso, vamos lá, de joelho, pedir clemência. O Brasil, por acaso, está em guerra para que se tenha tanta pressa para tirar a gente de lá? Realmente, não sei o que está havendo.


Dança na Vila Sumuru

Vestidos com trajes tradicionais, os índios da Vila Sumuru, na reserva Raposa Serra do Sol, comemoraram com danças e cantos a vitória, por 10 votos a 1, no Supremo Tribunal Federal (STF). Já os moradores da cidade contrários à demarcação em área contínua, que acompanharam a votação pela televisão, choraram no fim do julgamento.

Em Brasília, a comemoração foi modesta. Logo depois de o presidente do STF, Gilmar Mendes, encerrar a sessão, os cerca de 30 representantes das cinco etnias da Raposa que assistiram ao julgamento deram uma volta na Praça dos Três Poderes e agradeceram os ministros. "Depois de 34 anos, esse julgamento histórico vai marcar a história não só da Raposa, mas de todos os povos indígenas", observou o macuxi Dejacir Melquior da Silva, integrante do Conselho Indígena de Roraima (CIR).

A decisão dos ministros tirou parte da força da Fundação Nacional do Índio (Funai), ao delegar, nas restrições votadas, mais poderes ao Ministério da Defesa e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Porém, o presidente Funai, Márcio Meira, se disse feliz com o resultado. Para ele, o fato de 10 dos 11 componentes do STF votarem pela legalidade da demarcação, realizada pela Funai, é uma prova da competência do órgão.

Meira ressaltou que o julgamento derrubou alegações negativas sobre a posse indígena de uma área tão extensa - 1,7 milhão de hectares. "A decisão mostrou que a terra indígena contínua em faixa de fronteira não é um problema para a segurança nacional, que as terras indígenas demarcadas não infligem nenhuma perda, não afetam diretamente o desenvolvimento econômico do estado de Roraima e que isso tudo serve como exemplo para as outras demarcações", afirmou.

Sobre as críticas feitas à Funai pelo presidente do Supremo, Gilmar Mendes, Meira atribuiu a falta de estrutura à gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele garantiu que, agora, a fundação está se recuperando. (PO)

CB, 20/03/2009, Brasil, p. 10
 

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