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Força-tarefa aponta irregularidades em Ongs

08/04/2009

Autor: ANDREZZA TRAJANO

Fonte: Folha de Boa Vista - http://www.folhabv.com.br/fbv/noticia.php?id=59568




Uma força-tarefa criada pelo Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público do Trabalho (MPT), com o auxílio da Superintendência Regional do Trabalho e do Exército, deflagrou na semana passada a Operação Liberdade e detectou cerca de 700 trabalhadores que atuam na assistência à saúde indígena em situação irregular.
Os trabalhadores são servidores das organizações não-governamentais Conselho Indígena de Roraima (CIR), Serviço de Cooperação ao Povo Yanomami (Secoya) e Diocese de Roraima, que por sua vez prestam serviços terceirizados à Fundação Nacional de Saúde (Funasa) nas terras indígenas Raposa Serra do Sol e Yanomami.

A maioria dos funcionários está há quatro meses sem receber seus salários. Há casos também de profissionais que não são remunerados há mais de um ano e de outros que sequer possuem registro junto à Superintendência do Trabalho e nas próprias entidades.

As investigações iniciaram a partir de denúncias feitas aos órgãos. Havia inclusive uma denúncia de trabalho escravo, entretanto ela não foi confirmada durante as diligências.

As inspeções foram realizadas nas comunidades indígenas Surumu, Contão e Maturuca, na Raposa Serra do Sol, em Surucucu, na reserva Yanomami, e no Município de Uiramutã. Conforme uma das denúncias, seria em Surumu que um trabalhador indígena estaria vivendo em condições subumanas, em condições análogas a de escravo.

As investigações apontaram, a princípio, a existência de 400 trabalhadores (índios e não-índios) vinculados ao CIR, 200 ao Secoya e 80 à Diocese, que tiveram seus direitos trabalhistas violados. Existe ainda a "figura do colaborador", que é um funcionário que não possui registro trabalhista junto à empresa, o que deve aumentar, após a mensuração dos dados, o índice de irregularidades.

Em entrevista coletiva concedida ontem pela manhã, na sede do Ministério Público do Trabalho, os integrantes da força-tarefa deixaram claro que o número de vítimas da violação das leis trabalhistas pode ser ainda maior. Eles prometeram rigor nas investigações e informaram que as investigações para detectar outras possíveis irregularidades vão continuar.

De acordo com o procurador do Trabalho, Jorsinei Nascimento, foram observadas tanto as condições de trabalho quanto a de prestação do serviço de saúde de índios e não-índios nessas comunidades.

"As condições de trabalho são precárias. Elas refletem numa atuação do Ministério Público Federal, que é na qualidade de prestação desses serviços. Quem sofre com isso é o não-índio e, sobretudo os indígenas, que são os maiores beneficiários na região", destacou.

Nascimento observou a falta de compromisso das conveniadas para com os trabalhadores. "Historicamente a Funasa tem contrato com empresas terceirizadas. Ao final do contrato, essas empresas terceirizadas têm o mau costume de deixar de efetuar o pagamento desses trabalhadores sem dar qualquer amparo para essas comunidades indígenas. E quando acabam os contratos, essas empresas acabam sumindo. Então você não consegue localizar essas empresas, nem sócio, prejudicando o trabalhador", enfatizou.

Ao grafar essa questão, ele lembrou de uma ação trabalhista movida pelo Ministério Público do Trabalhado contra uma dessas empresas que resultou no montante de R$ 7 milhões em verbas trabalhistas. O recurso deve ser pago aos trabalhadores daqui a 45 ou 60 dias.

Uma vez que essas empresas não repassam os valores aos trabalhadores pelos serviços prestados, a Funasa acaba sendo responsabilizada novamente (responsabilidade subsidiária), já que ela efetua o pagamento duas vezes, com dinheiro público, segundo o procurador.

"O MPF e o MPT têm combatido veemente a questão da terceirização do atendimento a saúde pública indígena. Entendemos que essa terceirização é irregular e, por conta disso, esses convênios acumulam ao longo dos anos inúmeros problemas. Todos esses problemas surgem da transferência de responsabilidade que deveria ser da Funasa. É lógico que essa situação ocorre há muitos anos e não temos condições de mudá-la da noite para o dia, sob pena de causar prejuízo às comunidades. Mas estamos tentando modificar essa situação, sempre levando em consideração a realidade local que é diferente de outras localidades do Brasil", explicou Jorsinei Nascimento.

De acordo com a procuradora do Trabalho Lia Azevedo, como os trabalhadores da Secoya - que atua na terra indígena Yanomami- mantém famílias em Boa Vista, o MPT ingressou com uma medida judicial contra a empresa, bloqueando em 50% os recursos da última parcela do convênio, orçados em R$ 6,5 milhões, para pagar os salários dos trabalhadores atrasados e verbas rescisórias.

Para o procurador da República Leandro Botelho, o atendimento à saúde indígena deveria ser centralizado nas comunidades, e não na Capital como ocorre hoje. "Equipamentos médicos, remédios e parte do serviço administrativo deveriam se concentrar nas comunidades, de forma que a vinda a Boa Vista ficasse restrita àqueles casos que não pudessem ser realizados nas regiões. Mas a regra hoje é o deslocamento para Boa Vista de tal forma que não havendo o deslocamento também há uma falha de aparelhamento. Simplesmente a saúde indígena fica ao léu, inclusive contando com o apoio do Exército", disse.

Como a maioria dos trabalhadores não possui carteira assinada e atua em condições inadequadas, o superintendente regional do Trabalho, Mário Rocha, informou que serão lavrados contra as empresas autos de infrações previstos na lei.
Sobre a retirada da assistência à saúde indígena da Funasa para uma secretaria do Ministério de Saúde, o procurador Leandro Botelho observou que, independente da instituição que vai realizar o atendimento, o importante é que ele seja cumprido com eficácia. "Não adianta mudar a entidade que vai realizar o atendimento, se o Estado continuar privatizando o serviço básico de saúde", disse.

CONVÊNIOS - Com relação aos convênios, o procurador da República Leandro Botelho disse que eles encerram nos meses de maio e junho e que, diferente de como vinha ocorrendo há cerca de 10 anos, não serão mais prorrogados. Serão lançados novos editais de licitação, quando a condução dos processos será acompanhada de perto pelas autoridades.

Conforme o procurador do Trabalho Jorsinei Nascimento, o atraso no pagamento dos salários também está ligado ao repasse dos recursos. "Atribui-se atraso no pagamento à falta de prestação de contas. Então esses problemas vamos tentar resolver, inclusive estabelecendo um cronograma de pagamento. Não se pode deixar a saúde indígena nessa situação, sobretudo a questão dos trabalhadores que ficam naquelas regiões isoladas", destacou..

Esse modelo de prestação a saúde indígena deve ser substituído em todo o País até 2012, conforme as autoridades.
PRÓXIMA FASE - A procuradora do trabalho Lia Azevedo informou que, posterior ao feriado da Semana Santa, irá convocar o administrador da Fundação Nacional do Índio (Funai), Gonçalo Teixeira, para auxiliar na condução do processo, uma vez que ele detém conhecimento sobre a região. O coordenador regional da Funasa, Marcelo Lopes, também deve ser ouvido pelas autoridades sobre o assunto.

Ela destacou que os MPE e MPT já estão realizando audiências públicas com lideranças indígenas e representantes dos trabalhadores, das Ongs e da Funasa para evitar que nos próximos convênios que serão firmados, essas irregularidades voltem a ocorrer. "Para que as novas conveniadas já entrem no modelo mais próximo da lei de atendimento tanto as comunidades indígenas quanto dos trabalhadores", enfatizou Lia sobre as audiências públicas.

OUTRO LADO - A Folha tentou ouvir durante todo o dia de ontem representantes das instituições citadas pelos membros da força-tarefa sobre o assunto. De acordo com a Assessoria de Comunicação da Funasa, a instituição está verificando cada situação indicada pelas autoridades e posteriormente se manifestará.

No escritório da Secoya em Roraima, foi informado que o assunto deveria ser tratado com a gerência em Manaus (AM). Entretanto, foram feitas cinco tentativas para o telefone informado: em três chamadas o telefone estava ocupado e em duas o número chamava e ninguém atendia.

Ao ser informado que estava falando com a Folha, o representante da Diocese - que não quis se identificar - disse que não concedia entrevista e desligou o telefone.

Já o coordenador do Conselho Indígena de Roraima, Dionito Sousa, confirmou que os trabalhadores que prestam serviço para a Ong estão com três meses de salários atrasados. Mas culpou a Funasa e a burocracia existente na administração pública pelos atrasos.

"Em fevereiro deste ano entregamos a prestação de contas à Funasa, mas não tinha funcionário para recebê-la. Apenas em março é que a Funasa passou a analisar a papelada. A burocracia está matando os povos indígenas. Vou pedir indenização por cada índio que morrer por causa da burocracia", protestou.

METÁSTASE - Com relação às investigações da Operação Metástase, Botelho disse que os inquéritos estão sendo relatados e que está em tramitação ação judicial para apurar possível crime de improbidade administrativa. A Metástase foi executada pela Polícia Federal em 2007, e prendeu mais de 30 pessoas, inclusive gestores da Funasa, por supostas irregularidades em horários de voos na prestação do serviço de saúde.

PISTAS NÃO-REGISTRADAS - Em referência aos pousos de aeronaves em pistas não registradas nas comunidades indígenas, o procurador Leandro Botelho disse que o Ministério Público Federal fez uma recomendação ao Ministério da Defesa, Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e Infraero, para que regularizem a situação dessas pistas o mais rápido possível.

Sob esse aspecto, a procuradora-chefe do MPF, Carolina Bonfadini de Sá, informou que existe uma ação penal em tramitação para investigar esses voos. Se constatada a irregularidade, ela explicou que existem os crimes de peculato e desvio de verba pública destinado à Funasa.

Situação de funcionários de rizicultores é verificada
A situação dos trabalhadores de arroz também foi observada durante a Operação Liberdade. Conforme o procurador Jorsinei Nascimento, está sendo feito um levantamento de todos os trabalhadores índios e não-índios das lavouras, para que recebam seus direitos trabalhistas, já que os rizicultores deverão deixar a terra indígena Raposa Serra do Sol, até 30 de abril, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal.

"Estamos enfrentando dificuldades. Muitos rizicultores estão resistentes nesses pagamentos, alegando que quem deveria com essas obrigações seria o Estado, em razão da decisão do Supremo", disse.

Exército auxilia deslocamento da comitiva nas terras indígenas
O Exército foi o responsável pelo deslocamento e acomodação da comitiva durante inspeção nas terras indígenas. Eles também promoveram a remoção de dois índios picados por cobras, uma vez que a conveniada responsável pelo atendimento na região não prestou socorro. O não atendimento será objeto de investigação.

Conforme o major Fabiano Espinola, cerca de 550 militares que trabalham nos pelotões de faixa de fronteira auxiliaram na incursão da força-tarefa. O trabalho das autoridades ocorreu concomitantemente com a Operação Curare, desencadeada pelo Exército na semana passada, para combater os crimes ambientais e transfronteiriços, facilitando o transporte aéreo e terrestre das autoridades nas reservas.

"O Exército Brasileiro está presente aqui em Roraima na faixa de fronteira e se fará presente em toda parte do território nacional, cumprindo sua missão constitucional", destacou o major durante a coletiva.
 

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