De Povos Indígenas no Brasil
Notícias
Semeando novas amizades
22/09/2009
Fonte: CB, Brasil, p. 10
Semeando novas amizades
Em uma parceria inédita, comunidade indígena se une a trabalhadores rurais sem terra para plantar arroz na Reserva Raposa Serra do Sol. Associação dos Arrozeiros critica e Funai admite que desconhecia avanço da parceria
Danielle Santos
Depois de travar - e vencer - uma intensa batalha contra os arrozeiros no Supremo Tribunal Federal (STF) ano passado, os índios da Raposa Serra do Sol, em Roraima, querem lucrar com a criação de empreendimentos dentro da área de 1,7 milhão de hectares. E, curiosamente, uma dessas frentes envolve a ajuda do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no plantio e colheita de arroz orgânico dentro das áreas que haviam sido ocupadas pelos produtores de arroz há duas décadas - cerca de 100 mil hectares - e acabaram devolvidas aos índios depois da decisão do STF.
O coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Sousa, da etnia Macuxi, explica que a intenção em firmar parceria com os sem-terra surgiu antes da decisão do Supremo. Há dois meses, uma comitiva do MST visitou a área e ficou uma semana na comunidade para o repasse de algumas técnicas de plantio. O próximo passo, segundo o coordenador do Movimento no Rio Grande do Sul, Emerson Giacomelli, é levar alguns índios no início de outubro para conhecerem de perto a produção nos assentamentos do estado, que, segundo ele, têm um trabalho bastante desenvolvido com produtos orgânicos. É nesse mesmo período também que será enviado o primeiro lote de sementes - 200 sacos, o que equivale a 10 mil quilos - previsto para ser lançado em solo em maio do ano que vem.
O coordenador do MST nega que tenha alguma intenção em arrendar parcelas de terra dentro da reserva e que o objetivo é somente desenvolver as atividades agrícolas dos índios. "Queremos apenas fazer a transferência de tecnologia e colaborar com as práticas que já realizamos nos nossos assentamentos para que eles busquem mais produtividade", justifica. Mas se depender do coordenador do CIR, a ligação com os sem-terra será mais duradoura. "A ideia é expandir para o plantio de outras culturas dentro da área e, por isso, vamos discutir o assunto com 1.500 lideranças indígenas das 262 aldeias existentes na reserva." Para que o plano tenha bons resultados, ele afirma que os índios contarão com ajuda do governo federal para montar toda a infraestrutura, como a compra de maquinários, por exemplo. Quanto à mão de obra, Dionito adiantou que muitos índios já estão se formando em técnicos agrícolas para assumir responsabilidades específicas dentro da comunidade. E os projetos não param por aí. Eles já fundaram até uma cooperativa para colocar em discussão o desenvolvimento do turismo na região. "A gente já falou para o governo que não quer ser isolado do mundo, a gente quer desenvolver políticas para o nosso povo e não é só o branco que merece ter suas coisas, não", avisa.
Autor de um projeto de lei apresentado em março deste ano no qual o Congresso Nacional assumiria a responsabilidade sobre a demarcação de terras indígenas, o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB/SP) defendeu a posição dos índios de Roraima e afirmou que o futuro deles é a emancipação. Ele foi além e disse concordar, inclusive, com a polêmica liberação do arrendamento nas terras, desde que haja fiscalização da Fundação Nacional do Índio (Funai), como forma de colaborar para o desenvolvimento sustentável das comunidades. "Não sei por que é proibido arrendar as terras que eles não utilizam. Eu acho que deveriam, desde que houvesse fiscalização para não mantê-los completamente isolados", argumenta.
Ataques e dúvidas
Fundador da Associação dos Arrozeiros de Roraima e um dos defensores ferrenhos da manutenção dos agricultores na área indígena, Paulo César Quartiero ironizou a parceria entre índios e trabalhadores rurais sem terra. "Será um casamento perfeito para que se faça a picaretagem", ataca. Ele reclama que, com a diminuição da área, o setor vai amargar uma quebra de 40% na produção estadual deste ano, o que significaria um prejuízo de R$ 70 milhões. "As famílias que saíram estão fazendo o que podem para se reerguer por causa das perdas na lavoura."
Segundo a Funai, todo convênio firmado entre comunidades indígenas e entidades deve ser comunicado à entidade para que haja acompanhamento dessas atividades, como forma, inclusive, de evitar futuros transtornos. No caso da parceria com o MST, a Secretaria Executiva do órgão em Roraima disse ter conhecimento apenas das intenções, mas admitiu desconhecer que o acerto entre os índios e os sem-terra estivesse num grau tão avançado. A falta de comunicado oficial à entidade também impede que os índios consigam recursos financeiros para levar os projetos adiante. (DS)
Para saber mais
Terra da discórdia
Por 10 votos a um, o STF decidiu, em março deste ano, manter a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A decisão culminou na retirada de famílias não indígenas da área, além de definir novos parâmetros no processo demarcatório no país. A reserva, que corresponde a aproximadamente 7,7% do território do estado, abriga 194 comunidades dos povos Macuxi, Taurepang, Patamona, Ingaricó e Wapichana, que somam cerca de 20 mil índios.
A briga pela demarcação causou polêmica e motivou conflitos violentos entre índios e arrozeiros instalados na área. O julgamento para decidir sobre o direito à terra teve início em 2008, mas foi interrompido duas vezes por pedidos de vista, sendo retomado somente este ano.
CB, 22/09/2009, Brasil, p. 10
Em uma parceria inédita, comunidade indígena se une a trabalhadores rurais sem terra para plantar arroz na Reserva Raposa Serra do Sol. Associação dos Arrozeiros critica e Funai admite que desconhecia avanço da parceria
Danielle Santos
Depois de travar - e vencer - uma intensa batalha contra os arrozeiros no Supremo Tribunal Federal (STF) ano passado, os índios da Raposa Serra do Sol, em Roraima, querem lucrar com a criação de empreendimentos dentro da área de 1,7 milhão de hectares. E, curiosamente, uma dessas frentes envolve a ajuda do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no plantio e colheita de arroz orgânico dentro das áreas que haviam sido ocupadas pelos produtores de arroz há duas décadas - cerca de 100 mil hectares - e acabaram devolvidas aos índios depois da decisão do STF.
O coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Sousa, da etnia Macuxi, explica que a intenção em firmar parceria com os sem-terra surgiu antes da decisão do Supremo. Há dois meses, uma comitiva do MST visitou a área e ficou uma semana na comunidade para o repasse de algumas técnicas de plantio. O próximo passo, segundo o coordenador do Movimento no Rio Grande do Sul, Emerson Giacomelli, é levar alguns índios no início de outubro para conhecerem de perto a produção nos assentamentos do estado, que, segundo ele, têm um trabalho bastante desenvolvido com produtos orgânicos. É nesse mesmo período também que será enviado o primeiro lote de sementes - 200 sacos, o que equivale a 10 mil quilos - previsto para ser lançado em solo em maio do ano que vem.
O coordenador do MST nega que tenha alguma intenção em arrendar parcelas de terra dentro da reserva e que o objetivo é somente desenvolver as atividades agrícolas dos índios. "Queremos apenas fazer a transferência de tecnologia e colaborar com as práticas que já realizamos nos nossos assentamentos para que eles busquem mais produtividade", justifica. Mas se depender do coordenador do CIR, a ligação com os sem-terra será mais duradoura. "A ideia é expandir para o plantio de outras culturas dentro da área e, por isso, vamos discutir o assunto com 1.500 lideranças indígenas das 262 aldeias existentes na reserva." Para que o plano tenha bons resultados, ele afirma que os índios contarão com ajuda do governo federal para montar toda a infraestrutura, como a compra de maquinários, por exemplo. Quanto à mão de obra, Dionito adiantou que muitos índios já estão se formando em técnicos agrícolas para assumir responsabilidades específicas dentro da comunidade. E os projetos não param por aí. Eles já fundaram até uma cooperativa para colocar em discussão o desenvolvimento do turismo na região. "A gente já falou para o governo que não quer ser isolado do mundo, a gente quer desenvolver políticas para o nosso povo e não é só o branco que merece ter suas coisas, não", avisa.
Autor de um projeto de lei apresentado em março deste ano no qual o Congresso Nacional assumiria a responsabilidade sobre a demarcação de terras indígenas, o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB/SP) defendeu a posição dos índios de Roraima e afirmou que o futuro deles é a emancipação. Ele foi além e disse concordar, inclusive, com a polêmica liberação do arrendamento nas terras, desde que haja fiscalização da Fundação Nacional do Índio (Funai), como forma de colaborar para o desenvolvimento sustentável das comunidades. "Não sei por que é proibido arrendar as terras que eles não utilizam. Eu acho que deveriam, desde que houvesse fiscalização para não mantê-los completamente isolados", argumenta.
Ataques e dúvidas
Fundador da Associação dos Arrozeiros de Roraima e um dos defensores ferrenhos da manutenção dos agricultores na área indígena, Paulo César Quartiero ironizou a parceria entre índios e trabalhadores rurais sem terra. "Será um casamento perfeito para que se faça a picaretagem", ataca. Ele reclama que, com a diminuição da área, o setor vai amargar uma quebra de 40% na produção estadual deste ano, o que significaria um prejuízo de R$ 70 milhões. "As famílias que saíram estão fazendo o que podem para se reerguer por causa das perdas na lavoura."
Segundo a Funai, todo convênio firmado entre comunidades indígenas e entidades deve ser comunicado à entidade para que haja acompanhamento dessas atividades, como forma, inclusive, de evitar futuros transtornos. No caso da parceria com o MST, a Secretaria Executiva do órgão em Roraima disse ter conhecimento apenas das intenções, mas admitiu desconhecer que o acerto entre os índios e os sem-terra estivesse num grau tão avançado. A falta de comunicado oficial à entidade também impede que os índios consigam recursos financeiros para levar os projetos adiante. (DS)
Para saber mais
Terra da discórdia
Por 10 votos a um, o STF decidiu, em março deste ano, manter a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A decisão culminou na retirada de famílias não indígenas da área, além de definir novos parâmetros no processo demarcatório no país. A reserva, que corresponde a aproximadamente 7,7% do território do estado, abriga 194 comunidades dos povos Macuxi, Taurepang, Patamona, Ingaricó e Wapichana, que somam cerca de 20 mil índios.
A briga pela demarcação causou polêmica e motivou conflitos violentos entre índios e arrozeiros instalados na área. O julgamento para decidir sobre o direito à terra teve início em 2008, mas foi interrompido duas vezes por pedidos de vista, sendo retomado somente este ano.
CB, 22/09/2009, Brasil, p. 10
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