De Povos Indígenas no Brasil
Notícias
Tradição resiste em casas, aldeias e quilombos
20/06/2010
Autor: Veronica Almeida
Fonte: Jornal do Commercio (PE) - http://jc3.uol.com.br/jornal/
No Grande Recife ou no interior, famílias e comunidades tentam manter rituais e festejos juninos preservados pelas gerações mais antigas
Enquanto uma multidão estará se deslocando neste fim de semana e na noite de São João para arraiais famosos, com grandes palcos e salão de dança, outros grupos e famílias vão se dedicar ao modo próprio de homenagear o santo ou manter tradições dos antepassados. Despercebidas pelo grande público que se entrega ao forró eletrônico, apesar das tentativas recentes de trazer o coco, o xaxado e o baião para as festas oficiais, essas variadas manifestações culturais resistem ao tempo e aos modismos globalizados. Na casa 462 da Rua Raul Pompéia, em Água Fria, Zona Norte do Recife, quarta-feira é dia de vestir branco, tomar banho com água perfumada e se defumar. Este ano a procissão de São João e o Acorda Povo não sairão como nos anos anteriores, mas Ubiraci Ferreira e Antônia Batista, os donos da casa, vão manter na residência às homenagens ao santo, com velas acesas, flores, cores vermelho e branco e vasos com ervas aromáticas. O andor ornamentado pelo casal, usado em duas apresentações do calendário oficial da Prefeitura do Recife, estará no terraço para receber os visitantes, que Ubiraci trata como amigos. "O dia 23 é sagrado. Sigo o lado português da minha família", explica o anfitrião, que cumpre
também tradições africanas e indígenas. Até o ano passado, Ubiraci e Antônia organizavam a Procissão de São João e o Acorda Povo atendendo a todos os detalhes que a cerimônia tradicional requer. Depois das reverências à imagem de São João, todos vestidos de branco e
devidamente perfumados pelo banho de cheiro, ervas aromáticas e pelos defumadores, saíam pelas ruas do bairro, às 23h, em direção à igreja católica. Cantos eram entoados em homenagem a João no trajeto. Na volta, o Acorda Povo, com músicas profanas e uma festa regada a comidas típicas da época, só acabava ao amanhecer. Limitação de recursos e compromissos paralelos dos participantes fizeram Antônia e Ubiraci suspenderem a saída deste ano. Em Igarassu, dona Olga Batista, 71 anos, passou os últimos dias acertando detalhe por detalhe da sua tradicional Bandeira de São João. "No dia 23, às 6h da noite, vamos buscar a bandeira, há um ano na casa de Joanete, que mora ao lado do Fórum. De lá, vamos levar a bandeira à casa de Rejane, outra moradora da cidade. Lá é assim, a bandeira passa um ano em cada casa, atendendo o pedido de quem tem sua devoção ao santo. Dona Olga, presidente do Maracatu Estrela Brilhante e responsável pelas homenagens a São João, conta que a tradição é antiga. Ela aprendeu com o pai, que já aprendeu com o pai dele e daí por diante.
Depois de levar a bandeira a outro endereço, é hora do tradicional banho, que simboliza o batismo de São João. "No passado, fazíamos isso no rio, mas com a poluição, o nosso banho agora é de chuveiro", conta Olga. O Acorda Povo é embalado pelo coco e a festa só termina às 6h do dia 24.
INTERIOR
Saindo do Grande Recife, a tradição é presença certa em comunidades descendentes de escravos e indígenas. No Sítio Mundé dos Cabrais, em Camocim de São Félix, entre Sairé e Bonito, no Agreste, Jaime Tiago dos Santos, 79 anos, comanda uma festa bem diferente, com a mazurca, uma variação do coco. O cenário é o terreiro da comunidade, na zona rural de Camocim. Depois de um dia de trabalho, homens e mulheres se reúnem para cantar e dançar. Jaime aprendeu com o pai, Tiago José dos Santos. A mazurca, acompanhada ao som de pandeiro, reco-reco e caixa,é
vivenciada nos fins de semana festivos e tradicionalmente na noite de São João. Ao lado do grupo de homens e mulheres há sempre um enorme e antigo pilão (de 200 anos ou mais), onde se pisa café e milho, simbolizando o resultado da produção no campo. Nessa festa não é só o aniversariante o homenageado, conta Jaime. São Pedro e Santo
Antônio, também do ciclo junino, recebem saudações. O professor de geografia Valdemir José da Silva, natural da cidade e que ajuda o grupo, conhece a festa desde criança e conta que neste dia Mundé dos Cabrais fica repleta da vizinhança. Também no Agreste, a tarde do dia 23 exige entrada na mata. "Mulheres, crianças, jovens e adultos se concentram por volta das 15h na Vila de Cimbres, na área indígena em Pesqueira, para dar início a busca da lenha", conta o historiador Édson Silva, estudioso das tradições do povo Xucuru do Ororubá.
Segundo ele, os índios caminham dois quilômetros na caatinga e retornam com pedaços de paus e galhos secos que vão formar uma grande fogueira a ser acesa no início da noite, em frente à Igreja de Nossa Senhora das Montanhas, ou Mãe Tamain, como falam os xucurus. A
buscada é feita em procissão, com a bandeira de São João erguida pelo cacique Marcus Luidson Araújo e as demais lideranças indígenas.
A festa para agradecer a São João começa na verdade bem cedo. De manhã fogos de artifício e banda de pífanos anunciam a chegada do dia. Moradores das outras 23 aldeias vão se deslocando à vila, a pé, de caminhão, de moto ou a cavalo. "Muitos levam o saiote de fibras de caroá ou palha de coco, mais a barretina (cocar), golas e tornozeleiras , para se vestir a caráter e dançar o toré da noite, com muitos Vivas a João, Mãe Tamain e Pai Tupã", relata o historiador.
http://jc3.uol.com.br/jornal/2010/06/20/not_381731.php
Enquanto uma multidão estará se deslocando neste fim de semana e na noite de São João para arraiais famosos, com grandes palcos e salão de dança, outros grupos e famílias vão se dedicar ao modo próprio de homenagear o santo ou manter tradições dos antepassados. Despercebidas pelo grande público que se entrega ao forró eletrônico, apesar das tentativas recentes de trazer o coco, o xaxado e o baião para as festas oficiais, essas variadas manifestações culturais resistem ao tempo e aos modismos globalizados. Na casa 462 da Rua Raul Pompéia, em Água Fria, Zona Norte do Recife, quarta-feira é dia de vestir branco, tomar banho com água perfumada e se defumar. Este ano a procissão de São João e o Acorda Povo não sairão como nos anos anteriores, mas Ubiraci Ferreira e Antônia Batista, os donos da casa, vão manter na residência às homenagens ao santo, com velas acesas, flores, cores vermelho e branco e vasos com ervas aromáticas. O andor ornamentado pelo casal, usado em duas apresentações do calendário oficial da Prefeitura do Recife, estará no terraço para receber os visitantes, que Ubiraci trata como amigos. "O dia 23 é sagrado. Sigo o lado português da minha família", explica o anfitrião, que cumpre
também tradições africanas e indígenas. Até o ano passado, Ubiraci e Antônia organizavam a Procissão de São João e o Acorda Povo atendendo a todos os detalhes que a cerimônia tradicional requer. Depois das reverências à imagem de São João, todos vestidos de branco e
devidamente perfumados pelo banho de cheiro, ervas aromáticas e pelos defumadores, saíam pelas ruas do bairro, às 23h, em direção à igreja católica. Cantos eram entoados em homenagem a João no trajeto. Na volta, o Acorda Povo, com músicas profanas e uma festa regada a comidas típicas da época, só acabava ao amanhecer. Limitação de recursos e compromissos paralelos dos participantes fizeram Antônia e Ubiraci suspenderem a saída deste ano. Em Igarassu, dona Olga Batista, 71 anos, passou os últimos dias acertando detalhe por detalhe da sua tradicional Bandeira de São João. "No dia 23, às 6h da noite, vamos buscar a bandeira, há um ano na casa de Joanete, que mora ao lado do Fórum. De lá, vamos levar a bandeira à casa de Rejane, outra moradora da cidade. Lá é assim, a bandeira passa um ano em cada casa, atendendo o pedido de quem tem sua devoção ao santo. Dona Olga, presidente do Maracatu Estrela Brilhante e responsável pelas homenagens a São João, conta que a tradição é antiga. Ela aprendeu com o pai, que já aprendeu com o pai dele e daí por diante.
Depois de levar a bandeira a outro endereço, é hora do tradicional banho, que simboliza o batismo de São João. "No passado, fazíamos isso no rio, mas com a poluição, o nosso banho agora é de chuveiro", conta Olga. O Acorda Povo é embalado pelo coco e a festa só termina às 6h do dia 24.
INTERIOR
Saindo do Grande Recife, a tradição é presença certa em comunidades descendentes de escravos e indígenas. No Sítio Mundé dos Cabrais, em Camocim de São Félix, entre Sairé e Bonito, no Agreste, Jaime Tiago dos Santos, 79 anos, comanda uma festa bem diferente, com a mazurca, uma variação do coco. O cenário é o terreiro da comunidade, na zona rural de Camocim. Depois de um dia de trabalho, homens e mulheres se reúnem para cantar e dançar. Jaime aprendeu com o pai, Tiago José dos Santos. A mazurca, acompanhada ao som de pandeiro, reco-reco e caixa,é
vivenciada nos fins de semana festivos e tradicionalmente na noite de São João. Ao lado do grupo de homens e mulheres há sempre um enorme e antigo pilão (de 200 anos ou mais), onde se pisa café e milho, simbolizando o resultado da produção no campo. Nessa festa não é só o aniversariante o homenageado, conta Jaime. São Pedro e Santo
Antônio, também do ciclo junino, recebem saudações. O professor de geografia Valdemir José da Silva, natural da cidade e que ajuda o grupo, conhece a festa desde criança e conta que neste dia Mundé dos Cabrais fica repleta da vizinhança. Também no Agreste, a tarde do dia 23 exige entrada na mata. "Mulheres, crianças, jovens e adultos se concentram por volta das 15h na Vila de Cimbres, na área indígena em Pesqueira, para dar início a busca da lenha", conta o historiador Édson Silva, estudioso das tradições do povo Xucuru do Ororubá.
Segundo ele, os índios caminham dois quilômetros na caatinga e retornam com pedaços de paus e galhos secos que vão formar uma grande fogueira a ser acesa no início da noite, em frente à Igreja de Nossa Senhora das Montanhas, ou Mãe Tamain, como falam os xucurus. A
buscada é feita em procissão, com a bandeira de São João erguida pelo cacique Marcus Luidson Araújo e as demais lideranças indígenas.
A festa para agradecer a São João começa na verdade bem cedo. De manhã fogos de artifício e banda de pífanos anunciam a chegada do dia. Moradores das outras 23 aldeias vão se deslocando à vila, a pé, de caminhão, de moto ou a cavalo. "Muitos levam o saiote de fibras de caroá ou palha de coco, mais a barretina (cocar), golas e tornozeleiras , para se vestir a caráter e dançar o toré da noite, com muitos Vivas a João, Mãe Tamain e Pai Tupã", relata o historiador.
http://jc3.uol.com.br/jornal/2010/06/20/not_381731.php
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